Carta de São Vicente, por José de Anchieta
Prefácio
Prefácio
Em 1560, quando a pedido de seus superiores, o Padre José de Anchieta com excepcional capacidade de observação, escreve a carta de São Vicente, a Mata Atlântica compunha ainda um maciço florestal de mais de 1.100.000 km², em perfeito equilíbrio. Não era uma grande área desocupada, ao contrário, milhares de indígenas com ela conviviam, daí tirando todos os bens necessários à sua alimentação, saúde, abrigo e cultura material e espiritual.
Anchieta, cuja erudição é notável no trato dos mais variados temas, nos oferece um dos mais completos e belos documentos sobre a Mata Atlântica de então, descrevendo “as coisas naturais da Capitania de São Vicente” detalhando a diversidade e exotismo de nossa fauna e flora e seu uso pelos indígenas e pelos primeiros brasileiros, resultantes da mescla daqueles com os europeus aqui chegados. Em alguns trechos, os mitos se confundem com a realidade, como quando descreve os beija-flores: “Há ainda outros passarinhos, chamados guainumbî, os mais pequenos de todos; alimentam-se só de orvalho; dêsses há vários generos, dos quais um, afirmam todos, que se gera da borboleta.” Isto todavia não lhe rouba o valor documental, antes o enriquece, ao fornecer elementos culturais fundamentais ao conhecimento de nossa história. A carta de São Vicente traz também informações preciosas sobre os costumes e a língua de nossos índios, sobre plantas medicinais e importantes elementos de nossa culinária.
Também em outros documentos posteriores, como na “Informação da Província do Brasil para nosso Padre – 1585”, Anchieta volta a descrever nossa floresta e sua incrível biodiversidade, o que sempre faz com grande conhecimento e admiração e também com sensibilidade poética como atesta o trecho a seguir: “Todo o Brasil é um jardim em frescura e bosque e não se vê em todo o ano árvores nem erva sêca. Os arvoredos se vão ás nuvens de admiravel altura e grossura e variedade de especies. Muitos dão bons frutos e o que lhes dá graça é que ha neles muitos passarinhos de grande formosura e variedade
e em seu canto não dão vantagem aos rouxinois, pintasilgos, colorinos, e canarios de Portugal e fazem uma harmonia quando um homem vai por êste caminho, que é para louvar ao Senhor, e os bosques são tão frescos que os lindos e artificiais de Portugal ficam muito abaixo. Ha muitas árvores de cedro, aquila, sandalos e outros paus de bom olor e várias côres e tantas diferenças de folhas e flores que para a vista é grande recreação e pela muita varidade não se cansa de ver.”
A Carta de São Vicente é um dos diversos documentos do “apóstolo do Brasil” que chegaram aos nossos dias graças à pesquisa de vários historiadores e publicações dos séculos dezessete, dezoito, dezenove e vinte. A versão aqui apresentada reproduz integralmente, incluindo a ortografia, aquela publicada em 1933 pela Editora Civilização Brasileira sob o título de “Cartas – Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre Joseph de Anchieta, S. J. (1554-1594)”, gentilmente cedida a esse Conselho pelo Dr. Paulo Nogueira – Neto.
As notas que a seguem são da autoria do Dr. Afrânio do Amaral, então diretor do Instituto Butantan, do Dr. Olivério Mario de Oliveira Pinto, assistente do Museu Paulista e do Sr. Pio Lourenço Correia. A nota de número 1 indica outros colaboradores. Em respeito ao documento manteve-se sem alterações informações taxonômicas, mesmo que tenham sido posteriormente alteradas pela ciência.
Escrita em São Vicente, “que é a última povoação dos portugueses na Índia Brasílica voltada para o sul, no ano do Senhor 1560, no fim do mês de maio”, essa carta é a primeira descrição detalhada da Mata Atlântica de que se tem conhecimento. Por essa razão o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera, propôs a declaração do 27 de maio como dia nacional da Mata Atlântica, homenageando simultaneamente a floresta-mãe da Nação Brasileira e o Padre José de Anchieta, no momento em que os 400 anos de seu falecimento são celebrados.
Clayton Ferreira Lino
Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
ANCHIETA, Padre José de. Carta de São Vicente, 1560. São Paulo: Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. 1997, pp.7-8