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1552: Carta1Pbl em trad. ital. nos “Diversi Avisi Partieolari”, p. 150-154,, e em português, nas “Memórias Históricas e Políticas da Bahia , de Ignacio Áccioli, ed. de Braz. do Amaral, Bahia, pag. 364-6. do padre Francisco Pires2O Padre Francisco Pires veiu em 1550, na segunda Missão, com os Padres Salvador Rodrigues, Manoel de Paiva e Affonso Braz. Logo man-dado a Porto Seguro, fhi fundou a capella de N . S da Ajuda, ainda hoje tida por milagrosa, óbjecto de peregrinações, Uma fonte ahi surgiu, a que aUude o irmão Vicente Roiz (C. Av., XV), cuja água teve fama. Nao soube a lingua da terra, mas por interprete doutrinou aos índios, occupadosem confissõeí pregações/e ensinar a meninos. Foi reitor do Collegio da Bahia. Parece era de grande effeito sua eloqüência. Na Carta XLV, Blasquez descreve crises de soluços, Ímpeto de lagrimas, uns desmaiando outros dando grandes gritos , durante três horas de um sermão da Paixão tanto que houve mister ser ‘interrompido, por signal do Padre Provincial. Palleceu em janeiro de 1586, com 36 annos de missão. para os irmãos de portugal
Chegada de Nobrega [Manuel da Nóbrega] á Bahia. — Partida de Navarro para Porto Seguro — Manuel de Paiva parte para Espirito Santo. — Affonso Braz [Afonso Brás] — Salvador Rodrigues. — Falta de mulheres brancas. — Missão entre os índios. — Os meninos órfãos. -Vicente Rodrigues. — Noticias de S. Vicente [São Vicente] e Ilhéus. -nPartida próxima para o Sul de Nobrega com o Governador.
Quid scribam fratribus méis ut consolentur in Domino, nisi amaritudines contra me, ut orent pro me, et non consumar peccatis adolescentioz me.
MUITAS vezes estou cuidando o muito que Nosso Senhor obraria nestas partes pela Companhia, si muitos meus Irmãos de Coimbra cá viessem; porque em cada cousa e cada hora, si eu tivesse bons olhos, veria ao Senhor obrar e dispor tudo suavemente. Não poderei escrever cousas particulares, porque são já tão frio e tão soberbo, que não sei já cousa que me farte, nem me satisfaça, nem me console, nem me aquente, sinão acabar de ver ja todo o Brasil christão, ou ser como Deus e saber tudo. Heu! Fratrês, latet anguis in herba, e eu estou longe de vós pera ser ajudado; e não sei si vos esqueceis de mim, porque eu cada vez me acho atrás.
O padre Nobrega me mandou escrever-vos as cousas desta capitania, porque de Pernambuco se escreverá o que Nosso Senhor naquella capitania obrou, e polo conseguinte das outras capitanias fará o mesmo. Bem quizeramos que tudo se pudesse escrever junto e não espalhado, e, porém, não pôde ser, porque ás vezes se passa um anno e não sabemos uns dos outros, por causa dos tempos e dos poucos navios que andam pola costa, e ás vezes se vê mais cedo navios de Portugal que das capitanias, e por isso os Padres das capitanias escreverão por sua via, e nós por a nossa.
Des que chegou o padre Nobrega, que foi no começo da Quaresma, fazendo-se prestes um barco para S. Vicente, determinou ir visitando as capitanias e pregando o jubileu, mais movido pelo desejo que tinha de os ver a todos e consolar-se com seus Irmãos, que por ser vontade de Deus Nosso Senhor, como claramente se viu, porque, estando embarcados, o padre Nobrega e Manoel de Paiva em tempo de monção pera toda a costa, e partindo com muito bom tempo, logo sahindo da Bahia se mudou, que foi forçado tornarem a arribar; o qual considerando os Padres e Irmãos disseram, si porventura não se servia Nosso Senhor de tal ida! Por onde pareceu bem ao padre Nobrega pôl-o em parecer de todos, e se concluiu que não devia de ir por muitas causas que se ali moveram, o que depois a experiência ensinou ser muito gloria de Nosso Senhor não ir elle, por cousas que succederam; e foi o padre Manoel de Paiva e o padre Navarro pregando o jubileu pelas capitanias e visitando as casas. O padre Navarro ficou em Porto Seguro em razão das pregações e doutrinas dos Christãos e Gentios daquella capitania, onde se faz muito fructo, e andam duas povoações em bandos sobre quem fará melhor casa de meninos, pola devação que têm aos Padres da Companhia. O padre Paiva passou ao Espirito Santo, onde antes estava o padre Affonso Braz, e, por ser vindo a Porto-Seguro, e dahi vir ter commigo a communicar-me casos de consciência, e não se encontraram no caminho, foi forçado ao padre Paiva ficar-se no Espirito Santo, e também por ser Quaresma, e do povo se não poder expedir, e foi tudo ordenado por Nosso Senhor; porque levava três meninos, com os quaes principiou aquella casa, e não eram tão necessários em S. Vicente, pera onde elles iam, os quaes acarretaram outros da terra, que aprendem e causam muita devoção com suas doutrinas e pregações e cantares de Nosso Senhor, assim aos Christãos como Gentios, e vai em muito crescimento aquella casa e ha de ser a melhor de toda costa, em razão dos muitos mantimentos que alli ha em muita abastança, posto que agora esteja muito pobre de gente.
O padre Affonso Braz, por achar o padre Navarro em Porto Seguro, e lhe determinar suas duvidas, se tornava no primeiro barco. O padre Nobrega se ficou nesta capitania da Bahia, com o padre Salvador Rodrigues, o qual tinha cuidado dos meninos, e por sua fraqueza não podia confessar, nem dizer missa, e por isso carregava tudo no padre Nobrega, o qual confessava todos os dias da Quaresma, e aos domingos dizia duas missas, e pregava duas pregações, uma nesta cidade, e outra na Villa Velha 3Villa Velha, – por opposição a “Villa” ou “Cidade nova» a fundada por Thomé de Souza, entre o Terreiro de Jesus e a praça do Theatro junto á Barroquinha – er’a entre Graça e Victoria, antiga povoação do Pereira (de Francisco Pereira Coutinho, primeiro donatário), antes núcleo de povoação dos parentes indios de Diogo Alvares, o Caramuru., com andar cada domingo uma légua, assim da ida como da vinda, e pregar ás sextas-feiras na cidade, e acudir a todos os negócios espirituaes que sobrevinham, e á governação desta casa e gente delia, que são perto de quarenta pessoas, antre servidores e homens de trabalho e meninos. O fructo que Nosso Senhor obrou, não poderei eu escrever em particular; porque se fizeram alguns casamentos de muito serviço de Nosso Senhor, apartaram-se muitos peceados, reformou-se muita gente em bons costumes.
Certo, Irmãos, que a virem mulheres de lá com que os homens casassem, que se poderá bem chamar esta capitania uma religião; porque costumes de jurar o nome do Senhor, mais estranhado é antre os leigos mesmos, que, em outras partes, antre pessoas religiosas; si ha desconcertos antre alguns, logo são amigos; o furtar sinão antre pessoas, que por isso vieram degradadas4O furto não existia entre os indios, onde tudo era comnram. Cf, Yves d-Evreux (Op. cit., 75-76): “Jamais ils ne s’entre-derobent” Ils guardent equité ensemble, ne se frudent & ne se trompent”. Hans Staden (Op. cit., X X ) : “Não ha divisão de bens entre elles.; dos outros maus costumes muito apartados; creio que nem-um ficara por ganhar o jubileu, fazendo o que em si era, posto que alguns, por não poderem commodamente apartar-se das índias de que tinham filhos, esperam por mulheres com que casem e se apartem.
O fervor dos escravos com as pregações na lingua e doutrina, é tanto que envergonhavam aos senhores, e melhor sabem a Doutrina Christã que os senhores. Os christãos dos Gentios que permaneceram, são taes que envergonham minha frieza. Tão bem sabem quando vem o domingo, como eu, e não erram nenhum; e si algum Gentio falia mal dos Brancos, elles são os primeiros que vêm se offerecer para castigar os ruins; e dizem que já não têm outros parentes sinão os Christãos; e de todos os Gentios são estes invejados, e lhes querem mal seus parentes por amor dos Christãos, e, com lhe virem muitas tentações e perseguições, sempre permaneceram, que é cousa de que cá muito nos maravilhamos, e com que que muito louvamos ao Senhor; porque uns lhes morreram, outros são sempre doentes, os feiticeiros assacam-lhes mil raivas e muitas mentiras pera os perverter, pregando que nós os matamos com o Bautismo, e provam-lh’o, porque muitos delles morreram. Comtudo permanecem no começado, com muito trabalho dos Padre, que não fazem sinão pregar contra isso.
O motivo que tiveram os feiticeiros a pregarem isto foi por um grande e evidente juizo de Nosso Senhor que nesta terra obrou; porque quiz apartar os bons dos maus, e ensinar que quem quizesse ser christão que o havia de ser bom, e não como o eram alguns do tempo passado, que os Padres acharam quando primeiramente vieram a este Brasil, e foi de maneira que os que se fizeram christão e não permaneceram, quasi que nem-um ficou que não morresse, depois de amoestados por vezes dos Padres, e quiz Nosso Senhor, que os filhos destes, que foram bautizados na innoceneia, na mesma innoceneia falleceram (ne málitia mutaret intellectum), e desta maneira se castigaram os parentes e elles se salvaram, de maneira que por esta via tirou Nosso Senhor dos corações do Gentio que não podiam servir a Deus e a Belial; não podiam ser christãos e viver costumes de gentio, como d’antes cuidavam, por quanto os bautizavam, deixando-os viver como d’antes, e nunca lhe fadavam n’isso, nem os Gentios cuidavam que ser christão que era mais que andar vestidos e baptizar-se.
D’esta grande mortandade tomaram os outros oceasião, por persuasão dos feiticeiros, a fugirem dos Padres, dizendo que lhes botavam a morte, e a temerem-nos, e por medo fazerem quanto lhes pedem, como darem seus escravos, e não os comerem, quando os Padres lhe dizem, como aconteceu, pouco ha, a um; e outras cousas, que não se podem escrever.
Os meninos da terra fazem muito fruito, e ajudam muito bem aos Padres, e espantam-se verem-nos fallar com fervor, e sem medo nem vergonha de Nosso Senhor. Em casa se tem muito exercício de tudo, assim das pregações, como de cantigas pola língua e em portuguez, e aprendem muito o necessário, têm sua oração mental e verbal tudo repartido a seu tempo conveniente, e praticas de Nosso Senhor, que cada dia, todos juntos á noite, o padre Nobrega e os Padres lhe fazem; têm grandes fervores e mortificações, que em alguma cousa vos querem arremedar a vós, carissimos Irmãos; são grandes os desejos de padecerem, e de irem pela terra a dentro ao certão em sua peregrinações, se aproveitam muito; o que eu não escreverei, porque o Padre lhes mandou que escrevessem aos meninos de Lisboa; e, porque poderá ser que suas cartas as vejais, o não escreverei, somente de uma derradeira que fizeram, na qual muito padeceram todos por si, os Padres e Irmãos, como os menos, porque fugiam os Gentios delles, como da morte, e despejavam as casas e fugiam pera o mato; outros queimavam pimenta, por lhes não entrar a morte em casa; levavam cruz alevantada, a que haviam grande medo e vinham alguns ao caminho a rogar aos Padres que lhes não fizessem mal, que passassem de largo, mostrando o caminho, e tremendo como a verga; não queriam ouvir as pregações, e isto quanto mais entravam pela terra dentro, e mui asinha se tornaram os Padres, si já não tiveram entrado tanto, e es-peraram achar melhor Gentio adiante; e, como o Senhor é ajudador, sempre quando convém, posto que todo o dia não achassem quem os agasalhasse, nem lhes quizessem dar de comer, sempre ás tardes Nosso Senhor movia os corações dos da aldêa, onde achegavam, a que com muito gasalhado lhes dessem quanto tinham, e alguns sahiram a recebêl-os ao caminho com muita alegria; e si algum tinha pouca fé, parecendo-lhe que seria á noite o que foi de dia, e que poderia dormir no campo e perecer á fome, viram evidentemente como in opportunitatibus adjutor est Dominus.
O irmão Vicente Rodrigues está daqui quatro léguas pela Bahia a dentro, e tem cuidado de visitar algumas aldêas de Gentios, onde, por terem mais communicação com os Padres e serem mais achegados parentes destes novamente convertidos, e nos terem mui-ta affeição, está mui aceito entre elles, e é junto donde dizem estar as pegadas de S. Thomé5Cf. Nobrega, Cartas, p . 92. Sobre “as pegadas de S. Thomé”. Cf “A Nova Gazeta da Terra do Brasil” (texto, tradução, glossário, commentario), por C. Brandenburger, 1922, onde, desde 1515 já vem (pag. 37): “Elles (os índios do Brasil) têm também recordação de Sao Thome. Quizeram mostrar aos Portuguezes as pegadas de São Thomé no interior do paiz”. (Vicente Roiz, estava, a quatro léguas da Bahia, em Itapoan) . Tumé ou Sumé é segundo Baptista Caetano, que cita Capistrano de Abreu, o absoluto tubé de ubé e pode interpretar-se o “pai estrangeiro”.. Tem grande auditório de meninos que aprendem; tem comsigo dous meninos pregadores, que fazem muito fructo, fazem quanto lhes diz.
O padre Nobrega ordenou com o Bispo que fizesse com Diogo Alvares, por lingua dos índios Caramurú6Diogo Alvares Corrêa, de Vianna, o lendário Caramuru, estava na Bahia, desde 1510: “por haver 40 ou 50 annos (em 1552) que anda entre elles elles (os índios)”. Poi sempre muito tratavel e prestadio, aos brancos, que vieram posteriormente, desde Pero Lopes, em 30, a Francisco Pereira em 36, a Thomé de Sousa em 49. Será occasiao, agora, dos Jesuítas: “Velho honrado”, portanto como diz a Carta. Não foi assim João Ramalho em sua ,gente em S. Paulo, outro precursor da colonização. Vd. Frei Vicente do Salvador, Hist. do Brás., 1. III, cap. I. – Sobre o nome Caramuru, alcunha de Diogo Alvares, “por língua dos indios”, segundo a Carta, apesar do muito que já foi dito, ha talvez ainda que dizer: “O nome é o de certa enguia electriea” diz Varnhagen (op. Cit., t. cit. p . 307) . Ora a enguia ou peixe electrieo, o poraqué, dos índios, é o Gymnotus electricus; caramuru ou peixe-cobra, tarihiraãboia, é o Lepidosiren paradoxa, bem estudado por Emilio Gceldi, no Museu do Pará: é um animal de transição entre peixes e animaes de vida aeria, pelo seu duplo appareiao respiratorio, perfeito amphibio. Ora, a concordância da lenda da espingarda, com o significado da palavra, leva Varnhagen a dizer que tal “peixe comprido e fino como uma espingarda, que por suas virtudes de fazer estremecer, e por damnar e ferir poderá ser aplicado ao tremendo instrumento (oriundo também agora do mar) e por uma fácil e insensivel appliação ao seu portador.” Confusão de estylo, á parte, contra a conciliação ha que caramuru não é poraquê e este é que é o peixe eleetrico, encontrado, principalmente, na Amazônia. Encontrado Diogo Alvares, naufrago, enlameado, nas pedras do Rio Vermelho, comparado a uma moreia grande, um amphibio como o caramuru, a Lepidosiren paradoxa, haveria nexo… Mas ficaria a lenda sem espingarda, que se não molhara no naufrágio, e cuja pólvora seca resiste, ainda hoje, ao significado indigena, e ichtiologico, do vocábulo., ao qual têm grande credito os índios, por haver 40 ou 50 annos que anda entre elles, e ser velho honrado, que andasse pelas aldêas còm os Padres, promettendo-lhe ordenado d’El-Rei, o que ao Bispo pareceu muito bem, e logo o poz em obra, e lhe fadou, e assim se fará, e está concertado ir um dia destes por todas as aldêas a pregar contra a abusão, que está semeada entre elles, e declarar-lhes a verdade, e ha de ser pai dos que se converterem.
De S. Vicente tivemos cartas de muita consolação, pelo muito fruito que lá se faz, o qual não relatarei, porque de lá o escreveram largo; escrevem que todos nos vamos pera lá, e deixemos cá tudo destas capitanias, ainda que seja muito o que de cá se fizer, pola grande seara que lá se colhe de muito fruito, e por ser gentio polo qual se andam as 500 léguas por elle; veremos estas cousas, e quasi poucos somos para tanto.
Não sabemos que dizer, e andamos todos tentados de ver que em Portugal andam tantos pregadores de nossos Irmãos em partes, onde as almas têm seu Moysés e seus prophetas; e cá, onde tantas almas perecem á mingua, não vir ninguém, pois eu tenho para mim que folgam mais com uma alma brasilia, que estava perdida, que não muitos justos, que por muitas vias podem ser soccorridos de Nosso Senhor. Vinde, Carissimos, que vos esperam muitas almas e muitos anjos, pera vos ajudarem, e Nosso Senhor que já cá crear povo novo, e gente nova para Jerusalém.
Nos Ilhéos não está ninguém, por não haver Padre que lá esteja; é muito importunado de Ia o nosso padre Nobrega. Ninguém quer ver sinão Padres da Companhia; promettem dar quanto têm para as casas. O padre Nobrega determina ir com o Governador, e provera e dará ordem a tudo, e creio que levará os Padres que achar comsigo, deixando as capitanias esperando por vós, Irmãos, que venhaes e soccorraes, porque ha messe, não nos sabemos dar a mãos, e os obreiros são poucos.