Este mapa, cujo título em português seria Mapa dos mares do Brasil, entre Rio das Contas e Cabo S. Thome, encontra-se na De Groote Nieuwe Vermeerderde Zee-Atlas ofte Water-Werelt (aqui e em muitos lugares resumido como Zee-Atlas), de Joannes Van Keulen. Ele pertence à Biblioteca Nacional do Brasil.
Dos mapas holandeses, da região da Capitania do Espírito Santo, o de Vingboons e o publicado por Jan Canin limitam-se às proximidades de Vitória, mas o último mapa a ser apresentado aqui mostra uma região maior que os mapas mais abrangentes dos Teixeira. Refiro-me ao Pas-Kaart van de zee-kunsten van Brazilia, tusschen Rio das Contas en Cabo S. Thome, do cartógrafo Joannes Van Keulen.
Sua história começou quando Johannes Van Keulen (1654-1715) obteve a patente do governo necessária para publicar atlas e guias de navegação. Ele comprou todas as placas feitas por Hendrik Doncker, de Amsterdã para iniciar seus trabalhos. Doncker já havia publicado vários atlas até 1680, incluindo mapas que continham informações consideradas secretas, como as primeiras imagens da Hollandia Nova, a Austrália[1].
Além disso, como cartógrafo-mor da Companhia das Índias, adquiriu o ateliê de Joan Blaeu, onde Johannes Vingboons trabalhou por diversos anos, e certamente utilizou os desenhos de Vingboons para compor suas obras. Adquirindo e utilizando informações de outros cartógrafos, a família van Keulen conseguiu se manter no ramo até finais do século XIX[2].
Os van Keulen dos Países Baixos tiveram pelo menos cinco gerações de cartógrafos entre os séculos XVII e XIX, que foi o período auge da cartografia holandesa. Seus descendentes atuaram não só na produção de mapas, mas também na venda deles, e de instrumentos e livros sobre navegação. Isso começou a acontecer em 1680 quando ele obteve permissão dos Estados Gerais para a publicação de atlas marítimos e guias de navegação.
Nas palavras de Günter Schilder,
A cartografia marítima holandesa alcançou um ponto alto quanto Johannes van Keulen publicou seu De Groote Nieuwe Vermeerderde Zee-Atlas ofte Water-Werelt (1680) e um novo livro de navegação em formato grande em cinco partes De Nieuwe Groote Lichtende Zee-Fakkel (1681-84). É à casa de publicação dessa família de cartógrafos que continuou publicando novas edições desse trabalho, que Amsterdã deve sua posição internacional no campo da cartografia marítima até cerca de 1725, já que Zee-Fakkel particularmente reflete o apogeu de Amsterdã como o centro mundial de navegação, transporte e comércio[3].
Até o começo do século XX havia ainda alguma dúvida sobre o ano da primeira publicação do Zee-Atlas, onde está o mapa da Capitania do Espírito Santo. Van Eeghen apontou o início do ano de 1680 com “certeza considerável”, a data mais antiga indicada em diversas cartas, apesar de a edição mais antiga conhecida por ele ser do ano seguinte. Segundo o autor, há indícios de que o Zee-Atlas é, na verdade, uma junção de cartas independentes, que eram copiadas e unidas em uma única publicação de acordo com os interesses dos compradores[4], e feitas pelo menos a duas mãos: Clares Jansz Vooght ficou a cargo dos textos e Jan Luyken ficou a cargo das ilustrações.
Como cada edição do atlas trazia as cartas que serviam aos propósitos dos compradores, o conteúdo variava. Em seu conjunto, este atlas é considerado o “ponto culminante da cartografia náutica holandesa no final do século XVII” porque ele foi o “primeiro (ou principal) trabalho de levantamento, em bases científicas, de todos os litorais de todos os continentes” da Holanda[5].
No grandioso De Groote Nieuwe Vermeerderde Zee-Atlas ofte Water-Werelt, há dez cartas náuticas que mostram o litoral do Brasil, incluindo esta, do litoral da Capitania do Espírito Santo e proximidades.
Junto com o mapa, não há a descrição.
Os topônimos presentes no mapa são:
Rio Salvador
Cabo São Thome
Parcella
Bon Fonda
Lagoa de Grande Piscaria
Rio de Paraiba
Rio Tapoana
Monte Aga
Barreyras Vermelhas
Rio Jrutyba
Ilhas de Guaropary
Rio Guaropary
Guaropary
Casa Trenta
Francisco de Agur
Trepice
Azaredo
Leonhardo Froes
Pan de Suqure
Villa Ilha
Mora de Iuan de Marena
Ilha Calvada
Ilha de Don Iurga
Abreolho
Villa de Santa Porta
Spirito Sancto
Punto da Tubaraon
Enceada de Areya
Rio dos Borreyras
Serra Mestra Lunare
Punto Pera Coam
Aldea dos Reys Magos
Ilha de Reposa
De Drielingen
Monte Reys Magos
Rio Doce
Punto de Rio Doce
Ilha Goerce
Rio dos Reys Magos
Sobriqueriquerem
Rio Quororupa
Punto de Abreolhos
Rio Parupa
Rio Parnipa
Rio das Caravelas
Punto de Agusypa
de Kleyne Canaal
Ihesuyten
Canal Grando Pour Navios de India
Ilha de Santa Barbora
Ilha dos Passaros
Ilha Seco
Ilha Monte dos Pedros
Baxos da Abreolhos
Rio Ihanham
Rio Sarnabitiba
Monte Pasqual
Rio Jacho
Rio dos Frados
Santo Amara
Nostra Senhora da Iuda
Rio Serinhaan
Bocay
Villa de Porto Seguira
Rio Umuma
Tobazinga
São Francisco
Rio Acho
Rio Mangues
Punto Gorda
Ilha Longo
Nostro Cytio de Mareny fara
Canal grando
Taypas
Rio Doce
Poyo acao Velha
Barra de S. Anthonio
Rio Santo Anthonio
Porto Seguira Velio
Rio Grando
Rio Patipa
Rio Iuzia
Rio Duna
Rio Condado Tuba
Praya de Zumbo
Aldea dos Jndias dos Padres
Rio das Ilhos
Santa Anna
Porto Ma[?]o jape
Ilha das Ilhos
Villa São Iorge
Esperanca
Rio Esperanca
Nostro Sinhora de Victoria
Lagoa de Taypa
Focinha de Caon
Punto de Caon
De Vrouwe Borsten
Rio das Contas
Este é o mapa do Espírito Santo que possui o maior número de topônimos únicos (que não se repetem em outros mapas). Isso se dá por ele representar uma área relativamente maior que a da Capitania do Espírito Santo – praticamente todos os nomes que surgem entre o Cabo de São Tomé e os abrolhos aparecem também na cartografia portuguesa, mas há diversos outros mais ao norte, até o “Rio das Contas”, que não estão no escopo desta dissertação. Na verdade, o mapa engloba também a Capitania de Porto Seguro e até a de Ilhéus: a região exatamente a sul da Bahia e Pernambuco, território ocupado pelos holandeses no Brasil na primeira metade do século XVII.
Esse é um mapa importante para o estudo das representações da capitania. Seus diversos topônimos mostram como o reconhecimento do litoral não só do Brasil, mas dessa região específica já estava bastante avançado em finais do século XVII. Ao mesmo tempo, ao notar os erros de grafia e as imprecisões no mapa, ele dá sinais de que a cartografia ainda estava caminhando em direção à precisão e rigor científico.
Acredito que o Zee-Atlas é, ao mesmo tempo, uma declaração do conhecimento holandês e português do litoral da Capitania do Espírito Santo, já que os topônimos parecem todos vir da cartografia portuguesa de meados do século XVII. Nele, percebe-se a evolução do espaço cartografado no Espírito Santo, tanto nos últimos mapas portugueses, de João Teixeira Albernaz, o Moço, como na cartografia holandesa, que busca na primeira uma base de informações sobre as regiões cartografadas.