Referência

Cavendish, Thomas. The last voyage of the worshipful M. Thomas Cavendish. In: Purchas, Samuel. Hakluyt's posthumous or Purchas his pilgrimes. Contayning a history of the world, in sea voyages, & land travels, by englishmen and others. Compilado por Samuel Purchas. Londres: Henry Fetherson, v. IV, 1625. Disponível em: . Acesso em: .

Cavendish, Thomas. The last voyage Thomas Cavendish, 1591-1592: the autograph manuscript of his own account of the voyage, written shortly before his death: from the collection of Paul Mellon. Introdução, transcrição e notas de David Beers Quinn. Chicago: Newberry Library by the University of Chicago Press, 1975. Disponível em: . Acesso em: .

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Thomas Cavendish (Trimley St. Martin, 19 de setembro de 1560 – fevereiro de 1592) foi um almirante inglês. Como explorador, Cavendish participou da expedição de fundação da Virgínia em 1585, comandando um navio na frota de Sir Richard Grenville. Em 1586 comandando uma frota de três navios, foi o terceiro homem a dar a volta no mundo, retornando em 1588 à Inglaterra. Foi também o segundo inglês a realizar o feito. Em sua segunda viagem, partiu de Plymouth em 26 de agosto de 1591. Fez prisioneiro um piloto português chamado Gaspar Jorge, que foi seu prisioneiro até o ataque de Vitória do Espírito Santo. Antes disso, atacou e queimou as residências da Ilha Grande (RJ) e, depois, fez pousada em Ilhabela, de onde ordenou o ataque à Vila de Santos e São Vicente. Ficou na vila por mais de dois meses, onde perdeu um precioso tempo, o que atrapalhou a travessia do estreito de Magalhães. Nesse local perdeu muitos homens que morreram de fome e frio. Retornou à Vila de Santos, mas dessa fez sofreram baixas, organizaram então o ataque a Vitória - Espírito Santo, onde perderam cerca de 80 homens.
 

The last voyage of the worshipful M. Thomas Cavendish (1625)

Trecho da obra relativo ao Espírito Santo, em tradução de Jean Marcel Carvalho França:

Havia um português a bordo que dizia ser piloto. Ele procurou-me e jurou, pela sua vida, que poderia conduzir meus dois navios pela barra do Espírito Santo, um lugar realmente importante, o melhor ponto do Brasil para obtermos víveres e outras coisas de que tínhamos necessidade, assegurava. Eu estava ciente de que, se colocasse os meus navios em posição de disparar contra a cidade, poderia desembarcar meus homens. Para mais, não havia grande resistência entre os homens: toda a companhia queria tomar esse rumo, pois acreditava que era o único meio de conseguir o que precisávamos. Havia, ainda, entre eles, a esperança de capturar alguns barcos que permitissem reparar o Roebucke [uma das embarcações inglesas]. Encontrando tal disposição, tratei de pressionar o português, levando-o a garantir-me, sob pena de perder a vida, que poderia passar ambos os navios pela barra sem grande perigo. O homem disse-me que pagaria com a sua vida caso as embarcações não navegassem sempre em águas com um fundo superior a 5 braças. Diante da insistência do português em empenhar a sua vida caso não realizasse o prometido e considerando as enormes necessidades que tínhamos e, sobretudo, o fato de a cidade ser a única que supúnhamos em condições de socorrer-nos, dei sem demora ordens para seguirmos para lá.

Lançamos âncora, sem segundas intenções, antes da barra. Logo que paramos, enviei um bote, no qual seguiu também o português para sondar a água e verificar se tinha ao menos 16 ou 17 pés de profundidade. Os homens constataram que, em toda a barra, a profundidade da água era inferior a 3 braças. Ao retornarem a bordo e colorarem-me a par da situação, mandei chamar o português e perguntei-lhe por que mentira para mim. Ele respondeu-me que nunca tinha sondado a barra antes, que conduzira barra adentro navios de 100 toneladas e que, pelos seus cálculos, ela deveria ter pelo menos 5 braças de profundidade.

Tal engano causou perplexidade em mim e em toda a companhia, sobretudo considerando o quão necessitados estávamos de água e outras coisas, as enormes dificuldades da viagem e as limitações que tínhamos para entrar na barra – que nos impediram de pegar água ou realizar qualquer negócio. Enquanto divagávamos sobre tais matérias, os homens do bote do Roebucke, que remavam no interior da baía, viram fundear, não muito longe da cidade, três navios. Fiz ver à tripulação quanto era importante tomá-los e disse-lhes que, embora tivéssemos perdido o dia, a noite não seria de todo inconveniente se pusessem na cabeça que realmente queriam fazer aquilo. As minhas razões eram as seguintes: em primeiro lugar, os portugueses não estavam esperando um ataque, o que não ocorreria pela manhã; ademais, fiz-lhes ver que, se os portugueses não tivessem condição de se defender, poderiam pegar as melhores mercadorias, que estavam próximas ao ancoradouro, caso contrário, se tivessem meios para se defender, seria menos arriscado para nós durante a noite do que durante o dia, pois estaríamos mais seguros e causaríamos mais danos aos inimigos, sobretudo se conseguíssemos combater no mar, sem desembarcar.

Os meus argumentos, no entanto, não conseguiram convencê-los, pois todos queriam aguardar até a manhã seguinte, embora alguns já estivessem se preparando. Meti-me entre esses e noite que estavam todos, ou a maior parte, muito relutantes em iniciar o ataque durante a noite. Fiquei realmente consternado e dirigi-lhes umas palavras duras. Disse-lhes que a situação em que estávamos não admitia maledicências, impondo que não deixássemos escapar a oportunidade que surgia; disse-lhes, também, que não havia nada na noite que deveriam temer mais do que no dia; por fim, expliquei-lhes com toda a clareza que, se recusassem a atacar, não poderíamos ficar ali parado muito tempo e não poderíamos ir para além da barra, pois o caminho era muito arriscado e os navios estavam em péssimas condições. Lembrei-lhes, ainda, que toda a região já estava em alerta. que seria o nosso fim se desembarcássemos, pois os botes seriam capturados; e que os navios não poderiam prestar qualquer socorro. Finalmente, arrematei asseverando que tencionava partir.

Na manhã seguinte, houve uma gritaria enorme entre os homens, a maioria dizendo que, caso não os deixasse atacar, pegariam os botes por sua própria conta e iriam tomar os navios. Meti-me novamente no meio deles, repreendi-lhes a precipitação e tentei explicar-lhes que a oportunidade já estava perdida e que deviam se conformar. Porém, continuaram a pedir de maneira insistente; os líderes vieram até mim com lágrimas nos olhos, dizendo que queriam ir, que não havia perigo algum e que, caso percebessem ser impossível tomar os navios, retornariam imediatamente, mas partir sem tentar o ataque seria lastimável.

Pensei bem e concluí que, se não desembarcassem, poderiam muito bem ter sucesso. Ademais, sabia que um navio construído de pau-brasil não está apto a defender-se de um escaler e muito menos teria poder de fogo para atacar botes abarrotados de mosqueteiros sentados um ao lado do outro. Farto de ser importunado, acabei por ficar contente em deixá-los ir.

Tratei, no entanto, de dizer ao capitão Morgan, a quem encarreguei de liderar os homens, que, sob pena de perder a sua vida, não desembarcasse em nenhuma circunstância e que, mediante qualquer perigo, não seguisse adiante, ao contrário, que retornasse imediatamente para o navio. Disse-lhe, também, que mesmo se constatasse ser possível desembarcar sem correr grande perigo e encontrasse um lugar de desembarque plano e sem árvores e arbustos, depois da cidade, que viesse antes me avisar, pois imediatamente eu iria para lá com todos os homens que os velhos botes suportassem. Fiquei, assim, sem os meus botes, que partiram com oitenta homens tão bem-armados quanto permitiam as circunstâncias.

Há, contudo, de se levar em conta que os portugueses, durante a noite, tinham arrastado os navios para muito perto da cidade. O rio, próximo ao qual a cidade se encontrava, localizava-se a um tiro de balestra acima de onde estávamos, e à meia nilha da cidade achavam-se ancorados os navios. Durante a mesma noite, os portugueses tinham feito duas pequenas trincheiras, uma de cada lado do rio, onde plantaram dois pequenos canhões e uma peça sobre uma elevação. Acima das trincheiras, havia apenas grossas árvores e grandes rochedos, de modo que se fossem desalojados poderiam jogar pedras sobre os inimigos, abatendo uns mil homens.

A trincheira do lado oeste disparou dois tiros em direção aos botes e os homens puseram-se, então, a pensar como deveriam proceder. O capitão Morgan opinou que a passagem era muito estreita e que não poderiam passar sem correr um enorme perigo. O capitão considerou o número de homens que tinha nos botes e, sobretudo, a ordem que lhe havia dado de, mediante qualquer perigo, não seguir adiante e retornar a bordo para comunicar-me. O senhor Morgan, no entanto, revelou estas minhas determinações aos homens, e uns marinheiros mais levianos começaram a dizer que sempre consideraram o capitão um covarde e que agora estavam certos disto. Afinal, não tinha coragem de desembarcar por causa de umas, como diziam, “valinhas”. O cavalheiro ficou mordido com as ofensas e responder que os que pensavam tal coisa dele muito se surpreenderiam e que, não obstante as consequências, iria desembarcar.

Dito isto, os botes avançaram entre os dois anteparos – sem ao menos terem visto, como vim a saber, aquele do lado leste. Ao alcançarem o meio, os portugueses dispararam e atingiram três homens do bote maior, matando um deles e ferindo outros dois. Decidiu-se, então, que o bote menor, com sua companhia, desembarcaria do lado oeste e os homens do bote maior, do lado leste. O bote pequeno alcançou a terra primeiro e encontrou poucos homens no lugar, que não foram capazes de defendê-lo e bateram em retirada. Os nossos homens puderam avançar sem qualquer perda.

O outro bote estava fazendo muita água e encalhou antes de alcançar a terra, de modo que os homens foram obrigados a desembarcar e a avançar com água pelos joelhos. O lugar, ou menor, o anteparo estava sobre uma parede rochosa de uns 10 pés. O capitão Morgan, demonstrando mais ousadia do que bom-senso, desembarcou acompanhado de mais uns dez homens e começou a escalar o paredão. Os índios e os portugueses apareceram e, lançando grandes pedras do alto do paredão, mataram o capitão Morgan e mais cinco homens. O restante, todos bastante machucados, retornaram ao bote, que a esta altura estava tão castigado pelas flechas disparadas pelos índios que, dos 45 homens, somente oito não tiveram ferimentos; uns tinham três flechas cravadas no corpo, outros, duas, enfim, ninguém saiu ileso. A violências doa taque era tal e eram tantos os feridos que quem se encontrava no bote tratou de afastá-lo da terra, deixando lá os companheiros retardatários para serem massacrados.

Nesse meio-tempo, aproximaram-se dois botes, com muitos portugueses e um punhado de espanhóis que, sabedores da fraqueza das forças que guardavam o anteparo do lado oeste, dirigiram-se para lá. Um dos botes, o que estava mais cheio, seguiu para a terra e foi recebido a disparos de mosquetes pelos nossos homens, perdendo todos os seus tripulantes. Os que estavam no outro bote, vendo a rapidez com que os seus companheiros tinham sido derrubados, trataram de remar o mais rápido que puderam e retornaram para a cidade.

Logo em seguida o bote maior passou pelo anteparo em que estavam os outros e os homens convidaram os tripulares a desembarcarem e a auxiliá-los a fortalecer o lugar. Os homens do bote, no entanto, responderam que não podiam, pois a maior parte deles estava morta ou ferida. Os homens do bote menor imediatamente saíram do anteparo e embarcaram. Todavia, embarcaram todos ao mesmo tempo, e o bote encalhou, obrigando dez dos mais robustos a desembarcarem mais uma vez. Enquanto isso, os índios retornaram ao forte e começaram a atirar nos nossos homens. Os que estavam em terra correram, debaixo de uma chuva de flechas, para o lado do anteparo e dispararam os seus mosquetes a toda carga nos inimigos. O bote, enquanto isso, bateu em retirada com o restante dos homens, entre os quais o mestre do Roebuck – o vilão mais covarde que já pisou sobre a terra -, um dos maiores responsáveis pela fuga da embarcação e pelo abandono daqueles bravos homens, que foram massacrados pelos portugueses. Embora estivessem com água até os joelhos, ajudando os homens do bote, os vilões desumanos que se encontravam embarcados não tiveram a menor piedade deles. Mais tarde, disseram que o bote estava tão cheio de água que foram obrigados a partir, pois ele afundaria se todos entrassem. Por razão tão vil, deixaram aqueles pobres homens perderem a vida.

Os que haviam ficado presos próximos ao paredão de pedra, do outro lado, também não puderam ser resgatados pelo bote maior, que não conseguia aproximar-se da terra, e foram mortos a pedradas pelos índios […]. Os botes retornaram ao navio com 25 homens a menos, dez dos quais tinham sido abandonados em terra como descrito. Quando os botes estavam ao lado do navio, vimos que não havia mais do que oito pessoas no bote maior que não estavam com ferimentos graves. Perguntei-lhes a causa de tamanha desgraça e por que tinham ousado, contra todas as minhas recomendações, desembarcar. Responderam-me que o capitão Morga não havia cometido nenhuma falta, que surgira uma excelente oportunidade para atacar o inimigo e estabeleceu-se uma controvérsia entre o capitão e alguns soldados – os mesmos que tinham desembarcado em sua companhia e morrido. As causas do desembarque, segundo disseram, tinham sido as palavras levianas que dirigiram ao capitão e o ímpeto do próprio capitão. Trata-se, como vieram a admitir, de um lugar onde quarenta homens eram suficientes para derrotar mais de quinhentos.

Imagine a minha situação ao ver muitos dos meus melhores homens massacrados e ao descobrir que dispunha em meio navio de não mais que cinquenta homens sãos. Estava, pois, mais do que na hora de levantarmos âncora, e foi o que fizemos na manhã seguinte […].

 

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