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Este mapa encontra-se no [Atlas Vingboons], do cartógrafo neerlandês Johannes Vingboons. Ele pertence ao Arquivo Nacional dos Países Baixos, em Haia.
O forte interesse holandês no Brasil foi registrado em diversos mapas. Isso corresponderia a uma necessidade dos holandeses de obter mais informações do que aquelas conseguidas através dos mapas. “(…) desejavam os da Companhia das Índias Ocidentais imagens tridimensionais obtidas de melhor forma na pintura e nos desenhos desde o natural” [1].
Assim, colocaram nas mãos de George Marcgraf e, posteriormente, de Cornélio Golijath, a responsabilidade de fazer o levantamento das informações sobre a terra, passando a produzir material cartográfico para a Companhia das Índias Ocidentais e também para Maurício de Nassau que, encantado com essas informações, “as guardou com ele” [2].
No caso da Capitania do Espírito Santo, um dos mapas que foi resultado desse trabalho é a carta presente no Atlas Vingboons, produzido pelo artista e cartógrafo holandês Johannes Vingboons.
Johannes Vingboons nasceu em Amsterdã em 1616, filho de um gravurista e miniaturista reconhecido. Ele e alguns de seus irmãos receberam privilégios dos Estados Gerais e conseguiram se estabelecer como cartógrafos e com permissões para produção e distribuição de mapas e informações das Companhias das Índias. Johannes foi o parceiro mais importante de Joan Blaeu, pois trabalhava no atelier de seu pai, Willem Bleau há anos. Apesar de não ter a patente de cartógrafo e, por isso, não poder assinar seus trabalhos, ele se tornou um dos cartógrafos holandeses mais relevantes do século XVII. Com a ajuda mútua, além da colaboração dos irmãos Philip e Justus, ele fez cerca de duzentos mapas, cartas, perspectivas e planos manuscritos.
Tudo isso serviria como base para o Atlas Maior, a versão final do atlas de Blaeu, publicado entre 1662 e 1672. Esse trabalho é considerado híbrido: “cópias de mapas impressos, tanto velhos como atuais, são incluídos, assim como cópias miniaturas de pinturas e cópias de cartas e mapas originais e atualizadas da Companhia das Índias Ocidentais e da Companhia Holandesa das Índias Orientais”[3].
Vingboons ficou conhecido por seus trabalhos manuscritos. Feitos com base em relatos e rascunhos que recebeu de oficiais, mercantes e viajantes, seus desenhos foram muitas vezes doados aos diretores das Companhias como presentes e, assim, usados de maneira privada como elementos artísticos. Um desses diretores, Samuel Blommaert, ficou tão impressionado com os trabalhos de Vingboons que organizou seu maravilhoso atlas manuscrito em três volumes.
De acordo com o catálogo da exposição Desenhos da Terra: Atlas Vingboons, realizada em Recife em 2003, “o atlas deve ser apreciado sob dois importantes aspectos: pelo valor documental e estratégico para o século XVII e pela beleza e domínio da técnica da aquarela, fundamental para os cartógrafos da época”[4].
Hoje, existem cinco grandes conjuntos de cartas de Vingboons, além de algumas cartas separadas. Os atlas estão: um na Biblioteca Apostólica Vaticana, que é conhecido como Atlas Christina (porque pertenceu à Rainha Christina da Suécia); um na Biblioteca Nacional de Viena; mais um na Biblioteca Medicea Laurenziana em Florença; outro no Arquivo Histórico da Holanda (ca.1665); e aquele no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, no Brasil (IAHGP, ca.1660).
Os topônimos presentes no mapa são:
- Nossa Senhora de Puna
- Barra
- Abrolos
- O Spirito Sancto
- Ponta de Tobitaron
Sobre o mapa de Vitória, especificamente, Nestor Goulart escreve:
O sítio de Vitória aparece como situado em um local mais elevado, com declividade em relação ao canal, bem como aos dois braços de mar que envolvem a vila, que facilitavam de início o desembarque das canoas e outras pequenas embarcações e mais tarde desapareceram, com sucessivos aterros. São indicadas duas igrejas, com suas torres, que poderiam ser a Matriz e a igreja dos jesuítas[5].
São poucos os topônimos nos mapas do Espírito Santo. Além da vila, com o título de “O Spirito Sancto”, ou “Spiritus Sancto”, há “Nossa Senhora do Puna”, “Barra”, “Abrolos” e a “Ponta do Tobitaron”. Como é possível ver, a grafia de alguns deles é diferente daquela normalmente encontrada nos mapas portugueses.
A vila foi desenhada com um estilo diferente daquele visto nos mapas portugueses: seu formato é circular, com um centro bem definido pelas igrejas (as únicas com telhados azuis – as demais construções têm telhados vermelhos); a região é completamente plana, algo praticamente inexistente na costa do Brasil devido à proximidade entre o planalto atlântico e o litoral.
Entre os mapas holandeses aqui estudados, o de Vingboons é o que mais permite espaço para o desenho da vegetação local. Seus mapas eram muito artísticos e este, não por acaso, é muito belo. Suas árvores são parecidas com aquelas dos mapas de Albernaz, no estilo e na divisão em pequenos grupos. O Reys-Boeck não tem muitas plantas, mas as que aparecem ou são arbustos, próximos ao chão, ou palmeiras, que se tornaram um símbolo dos trópicos.
No rio que vai até a vila, há navios portando bandeiras espanholas, brancas com uma cruz vermelha em diagonal. De acordo com Paz Cabello Carro, do Museu de América, em Madri, esta é a Cruz de Borgoña, um símbolo da Coroa espanhola:
(…) a Cruz de San Andrés, também chamada cruz de Borgoña que era o símbolo dos duques de Borgonha, senhores soberanos dos Países Baixos [até o início do século XVII] (..). Depois da morte de Carlos V [1558], a casa de Orange (hoje reinante na Holanda), acabou fazendo-se com o poder dos Países Baixos e introduziu sua própria heráldica. Assim, a partir do final do século XVI (e, definitivamente de meados do XVII) a Cruz de Borgonha ficou associada com a Espanha[6].
A existência daqueles cinco navios em um mapa holandês marca a presença espanhola na região poucos anos após o fim da Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648), que culminou na independência dos Países Baixos e em um período em que tanto os Países Baixos quanto a Espanha estavam em guerra com Portugal. As datas dos mapas (1660 e ca. 1665) indicam que estava chegando ao fim a Guerra Luso-Holandesa (1663) e as duas Coroas ibéricas não estavam mais unidas, mas estavam em um momento de conclusão dos conflitos que levariam à paz em 1668: o mapa de Vingboons é do mesmo ano da Batalha de Montes Claros, a última grande batalha da Guerra da Restauração[7].
Defendo que isso está relacionado às influências que os holandeses sofreram da cartografia portuguesa do período filipino, dedicada principalmente ao litoral. Como o trabalho de Vingboons era um trabalho de cópia e adaptação de mapas já existentes, chegando ele a ser considerado “um excelente e fidedigno copista, revelando também qualidades artísticas”[8], acredito que essas bandeiras tinham como objetivo destacar a presença estrangeira espanhola na região, considerando que nos anos anteriores, houve conflitos em vários pontos da costa brasileira.
Ele pode refletir, por exemplo, os conflitos de 1625 e 1640, quando holandeses enfrentaram portugueses e espanhóis no litoral brasileiro: nesse período, como sabemos, os holandeses ocuparam partes importantes do Norte do Brasil colonial, principalmente em Pernambuco e na Bahia.
Em março de 1625, o Almirante Piet Heyn à frente de uma frota holandesa se aproximou da região. Ele vinha da África para apoiar a defesa holandesa diante da armada espanhola no nordeste do Brasil. Impedidos de invadir a vila da Vitória, foram dois meses depois derrotados em Salvador.
A segunda tentativa ocorreu 15 anos depois. Sob um comandante de nome Koin, (o mesmo Johann Von Koin que participou da tomada de São Luís do Maranhão em seguida), nova armada holandesa, agora já estruturada a partir de Recife, tentou tomar o Espírito Santo. Foi nos mares da capitania que Salvador Correia de Sá e Benevides, partindo do Rio de Janeiro em direção à Bahia em 1640, derrotou a frota holandesa já em retirada[9].
Os ataques holandeses levantaram as antigas preocupações dos colonos sobre ataques na capitania e no século XVII há muitos pedidos para construção e reforma de fortificações, para equipá-las com pólvora, munição, além de armar e pagar os soldados[10].
Comparado ao mapa holandês que discutirei no capítulo seguinte, esta obra de Vingboons é limitada em espaço e topônimos, mas não deixa de ser um grande exemplo de como os holandeses estavam presentes no Brasil. Este mapa da Capitania do Espírito Santo, apesar de não trazer novidades sobre a região e nem ter informações muito precisas sobre as vilas e sobre a baía, nos dá uma ideia do conhecimento que eles tinham.
Esse conhecimento foi útil aos holandeses nos anos em que eles ocuparam parte do Brasil e, como vimos, tentaram ocupar o Espírito Santo. A preocupação dos portugueses em afirmar o domínio e buscar a proteção de seus territórios não é infundada.
Mapas como o de Vingboons sobre a Capitania do Espírito Santo são exemplos de como esses conflitos foram inseridos na cartografia. Os atlas do Brasil feitos nesse período, como os de João Teixeira, mostram símbolos da Coroa portuguesa a ocupar suas posses e distingui-las, por exemplo, da América espanhola. Buscava-se dar certa unidade ao império e garantir sua proteção. Essa proteção, entretanto, só foi alcançada com acordos diplomáticos realizados principalmente com a França e a Inglaterra, que forneciam armamento e serviços.
Na periferia do império, o Espírito Santo tinha dificuldades em construir e manter ativas suas proteções contra invasores. A falta de investimento dos donatários na proteção de suas capitanias facilitou os ataques estrangeiros, saques e tentativas de ocupação. O maior e mais importante caso, entretanto, se deu em uma região de capitanias controladas pelo próprio governo português, em Pernambuco e na Bahia. Talvez pela concentração de poder e de riqueza na região, foi ali que a Holanda decidiu atacar, minando as riquezas que a Coroa unida tirava do Brasil e entrando no mercado marítimo internacional com o açúcar brasileiro.
O mapa de Vingboons é uma sombra do interesse holandês no Brasil, pois, datado de ca. 1665, teria sido feito 4 anos depois que foi assinado o Tratado de Haia em que a República Holandesa reconhecia a soberania portuguesa sobre os territórios do nordeste brasileiro.