Referência

DIAS, C. M., VASCONCELLOS, E. J. D. C., & GAMEIRO, A. R. História da Colonização Portuguesa do Brasil - Edição Monumental Comemorativa do Primeiro Centenário da Independência do Brasil. Vol. III. Porto: Litografia Nacional, 1922, p.263. Disponível em: . Acesso em: .

Créditos

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29/04/1546: Carta de escrita da Vila da Rainha a D. João III

(Em que dá conta de como, ao regressar do reino, encontrara desbaratada a sua , e da fundação de uma boa e nova povoação com muitos moradores, a umas dez léguas do mar pelo interior, e de como os naturais se levantaram em represália das más acções de Henrique Luis e da luta que com eles travara, em que perdeu um olho e vinte e cinco homens mortos).

Senhor. —Per húa que lloguo como a esta sua terra do Brasil cheguei lhe escrevi, lhe dei comta quanto desbaratada achei a minha capitania e alleuantada porque toda ha mais gente que nella tinha deixada toda fogida com ho capitão e como mais por seruir vosa alteza que pello gosto que antão delia tiue ha nom llargei e deixei, mas amtes asentei e de nouo comecei a pouoar per hum rio acima obra de dez legoas do mar por nom aver agoas mais perto, omde fis húa mui boa povoação com muitos moradores e muita fazenda, a quall a elles e a mim custou muito trabalho por ser pella terra dentro e estando assy muito comtentes com ter ha terra muito pacifiqua e hum engenho dagoa quasi de todo feito com muitos canaueaes, sayo da terra de Vasquo Fernandes Coutinho [Vasco Fernandes Coutinho, donatário da Capitania do ] hum omem per nome Anrrique Luís com outros e em hum carauellão sem eu ser sabedor se foy ha hum porto desta minha capitania e contra o forall de Vosa A. resgatou ho que quis e não contente com isso tomou por engano hum imdio ho maior principall que nesta terra auia e mais amiguo dos cristãos e o premdeu no nauio pedindo por elle muito resgate ho quall despoes de por elle lhe darem ho que pedio por se congraçar com outros imdios contrairos deste que prendeo lho lleuou e entregou preso e lho deu a comer, contra toda verdade e rezão per donde os índios se allevantarão todos dizendo de nós muitos malles que se não fiassem em nós que não mantinhamos verdade e se vyerão lloguo a hua povoação minha pequena que eu tinha mais feita e estando a gemte segura fazemdo suas fazendas derão nelles e matarão três homens e os outros fogirão e queimarão os canaveaes todos com ha mais fazenda que auia e tomarão toda quanta artelharia auia e deixarão tudo estroido e imdo as novas a mim acudi com toda a gente que pude e quoamdo Ia fui era tudo estroydo e toda a terra asy no mar como onde eu estaua alevantada pera me matarem e a toda a gente pello que me foy forçado em que me pes por de mym nom dar ma conta acodir ao mar e recolher toda a gente a mim e fazer me nelie com perder vynte e synqo homens que me matarão dos milhores que tinha e toda a fazemda que feita tinha como lia pode querendo ver per hús estromentos que pera mais fe mandei tirar e fíqei com hum olho perdido de que não vejo e quinze annos perdidos nesta terra1Desde que fora para S. Vicente com Martim Afonso de Sousa. e o que mais sinto ha perda que dei ha homens que comiguo follgarão darmar por lhe eu dizer que Vosa A. me mandara que os buscasse como fes, e ter a terra ao presente em condição de se perder se -lhe não açodem, ho que tudo naçe da pouqua justiça e pouquo temor de Deus e de Vosa A. que em algúas partes desta terra se ias e ha, per donde se de vosa A. não he prouida perder se á todo ho Brasyl antes de dous annos e isto não com gastar nada mais que mandar nos que cumpramos seus foraes e nom comsyntamos andar ha salltear a costa, tudo ho que pera isto compre eu ho tenho escrito llargo ao seu feitor da casa da índia peço ha Vosa A. ho mande ir amte mim e delle sendo enformado proveja esta sua terra onde estam muitos engenhos dagoa feitos e pode jagora render muito avendo pas na terra a quoal nom pode aver sem sesarem os roubos nella aos nossos feitos.

Eu senhor tenho hua mai e três irmãas que Ha deixei e como não tenho nada de meu nem meus avós me deixaram mais que aquilo que Deus e vosa A. me faz mercê, mantenho as com muito trabalho da minha vyda e pesoa, antre as quaes húa dellas he freira em Santa Crara de Beja [Convento de Santa Clara de Beja] ha perto de vynte annos e por desejar de ser ouseruante se sayo com llicença do seu prellado e por ser tão boa madre e vertuosa ha dezejão e recolhem na Madre de Deus. Resta somente auelo Vosa A. por bem, peso, senhor, que nom seja em se perder tão boa relligiosa e aja por bem de a recolherem porque allem de nisto seruir ha Deus ha mim fas mui grande merçe e desta freira se pode enformar se he como digo da própria abadesa da Madre de Deus e de Beja e pera sostentamento de minha may e Irmãs sollteiras que ficão não menos vertuosas como pode saber lhe peço me faça merçe de algúas cousas que lhe lia mando pedir pera sostentamento de se nom perder esta terra de donde as sostenho pera ho quall nom tenho que pôr diante a Vosa A. pera que mereça senão per ho dezejo que,sempre tiue e tenho pera ho servir o quoall rogo ha Jhesu Christo seja de Vosa A. tão aceito como a elle foy ho do Madeiro na cruz que nam teue que dar mais que ho coração e a llingoa e allcançou ho que pedia. Este mesmo Deos acreçente os da vida e reall de Vosa A. como os da Rainha e príncipe nossos senhores e os entretenha sempre em seu seruiço. Desta sua vylla da Rainha no Brasyll aos xxbiiij dias dabril de 1546.

— Sobrescrito: Pera el Rei noso senhor.

— À margem: não serve.

 

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