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08/09/1656: Carta para Sua Magestade sobre o navio do Rio da Prata que veiu á Capitania do Espirito Santo
A’ Capitania do Espirito Santo chegou derrotado com um patacho seu Domingos Vieira Veigão, mercador Portuguez, que havendo ido de Angola com licença do Governador a Buenos Aires se .resolveu a passar dalli ao Brasil com outro inercador Castelhano que nelle vem interessado. A carga que traz é courama e sebo, e seguindo o estylo que antigamente se praticava com os navios que daquelle Rio vinham a este Estado despachou para Hespanha [Espanha] os Officiaes da Fazenda de Vossa Magestade fizeram logo seqüestro em tudo e o Capitão-mor me remetteu uma devassa que se tirou de se achar um prego do Governador de Buenos Aires para El-Rei de Castella. Com ella veiu o prego, e o Mestre do patacho a esta praça. O prego não trazia carta de importância, e as principaes delle se encaminhavam a pedir navios de Negros, de que aquelle povo necessitava muito, O Mestre me representou que o animo com (que) se deliberara a esta jornada era introduzir o commercio que os moradores do Rio da Prata desejavam ter com os deste Estado; fundando-se nos exemplos de o ha-ver já solicitado este Governo em tempo de Antonio Telles da Silva e Vossa Magestade o estar permittindo aos navios Castelhanos nos mais portos de suas Conquistas. Pedindo-me lhe mandasse levantar o seqüestro e concedesse licença para vender, empregar, e poder voltar a aquelle Rio, donde se ficava esperando a noticia deste successo para se freqüentar este Estado de navios seus e grandes cabedaes do Peru. Domingos Vieira tem nesta Cidade parentes; e foi bastante insinuação do affirma (sic) o pouco que em Buenos Aires importava a carregação, não trazer prata alguma, e ainda o assumpto das mesmas cartas do Governador; porque se arriscava pouco no intento, e se considerava o conseguir-se com a muita ganância dos escravos.
Propuz aos Ministros da Fazenda e Coroa, á Relação aos Prelados das Religiões, e á Câmara esta matéria. Votaram todos uniformemente que convinha abrir-se aquelle commercio, e quasi todos que se segurando-se (sic) a Vossa Magestade o valor do seqüestro se levantasse, e concedesse licença a Domingos Vieira. E a Câmara, que já antes que elle viesse me havia representado que a desse a algumas pessoas que pretendiam ir a Buenos Aires, assim pela grande falta, que nesta praça se padecia de moeda, como pelos excessivos avanços que se estavam promettendo ao negocio, se aquelle porto se abrisse m’o pediu com maior instância: e havendo-se obrigado voluntariamente o povo a pagar de sua fazenda o valor do navio e drogas sequestratias no que digo caso que Vossa Magestade não houvesse por bem approvar se lhe levantasse o sequestro abonou a fiança que se lhe pediu por parte do Procurador da Coroa, e Fazenda de Vossa Magestade.
O que tudo supposto, considerando eu as graves conseqüência de se abrir aquelle porto ao commercio deste Estado, ou fechar com a presa deste patacho a ultima esperança de se lograr em tempo algum a felicidade que agora se lhe offerecia, pois não só se ficavam perdendo as conveniencias de se encher por aquella via o Brasil, e Portugal de prata; mas ainda cessando em notável detrimento de todos os Vassallos desta Coroa, a navegação que Vossa Magestade permitte aos de Castella nos mais portos de suas Conquistas. A miséria presente a que este Estado se vê reduzido por falta de moeda que é mais intolerável na oppressão ordinaria do sustento da Infantaria destas, os grandes direitos que podem accrescer á Fazenda de Vossa Magestade. As diversas ordens com que Vossa Magestade se serviu mandar tentar a entrada daquelle Rio; prohibir hostilidades a seus moradores, e conceder a navegação das índias Occidentaes a todos seus Vassallos. E que sem a cláusula de se haverem de nomear pessoas, que a ellas fossem pelo Conselho Ultramarino, nem o prego que vinha no patacho para El-Rei de Castella (que são os fundamentos dos poucos que votaram se não levantasse o sequestro) podiam impedir a conclusão deste negocio; porque nem o patacho despachou em Portugal para o Conselho lhe nomear pessoa; nem despachando em Buenos Aires para Hespanha (segundo o estylo antigo) era delicto trazer prego para seu Rei.
Demais de que a nomeação do Conselho, era para navios que haviam de ir de Angola, Guiné, e Cabo Verde ás índias, e não do Brasil ao Rio da Prata como se vê da mesma Provisão que inclue aquella cláusula: e o prego não occasionava perigo algum no valor do seqüestro, quando ficava seguro pela fazenda do povo, e muito menos escrúpulo de inconfidência, quando o Rio da Prata o podia ter maior das armas de Vossa Magestade que o Brasil das de Castella, por aquella communicação.
E que quando não foram tão publicas todas estas razões bastava ser o commercio de Portugueses alli tão inviolavelmente prohibido pelas Leis daquella Coroa para se entender que é útil á de Vossa Magestade solicital-o: me pareceu que não servia a Vossa Magestade como devia, se não usasse neste Estado com os moradores do Rio da Prata, a mesma demonstração que Vossa Magestade manda admittir os mais mercadores daquella nação em todas as outras partes do Reino, e conquistas de Vossa Magestade a que chegam com seus cabedaes.
E assim me deliberei a mandar levantar o sequestro a. Domingos Vieira Veigão, e seu companheiro, e lhes concedi licença para poderem vender, empregar, e voltar livremente ao Rio da Prata debaixo da fiança e abonação da Câmara a satisfação do seqüestro, dando em nome de Vossa Magestade seguro real a todos os moradores de Buenos Aires para poderem trazer seus navios e fazendas a este Estado sem receio de embargo, ou perigo algum, no caso que Vossa Magestade não approvasse esta minha resolução, para que as noticias de se esperar por ella de Vossa Magestade sobre o seqüestro, lhes não desmaiasse as esperanças do negocio, por ser o que entendi que era por todos os respeitos o mais acertado, e o que só convém á conservação deste Estado e aos augmentos desta Monarchia, que não ha duvida ficará opulentissima com a moeda, e prata, que por aquelle Rio se divertirá de índias ao Brasil e delle passará incessavelmente a esse Reino sem fazer falta nestas praças a que todos os annos se ha de vir trazendo a ellas; sefvindo-se Vossa Magestade dar a estas disposições o sucesso que dellas se promette. Vossa Magestade o deve mandar considerar, e resolver com brevidade o que for servido. E para que todo o procedimento que nesta matéria se teve, seja presente a Vossa Magestade com a particularidade que o deve ser me pareceu enviar com esta a Vossa Magestade copia authentica de todos os papeis que resultaram e originalmente ficam em meu poder.
A real pessoa de Vossa Magestade guarde Nosso Senhor como seus Vassallos havemos mister. Bahia e Setembro 8 de 1656.
Bernardo Vieira Ravasco.