Historia ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636, de Johannes de Laet (1644)

Referência

LAET, Johannes de. Historia ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636, de Johannes de Laet (1644). in Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XXX. Rio de janeiro: Officinas Graphicas da Bibliotheca Nacional. 1912, pp. 81-84, 148-150. Disponível em: . Acesso em: .

Créditos

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João de Laet (Joannes ou Johannes de Laet) foi um geógrafo neerlandês e diretor da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, que viveu entre 1581 e 1649. Filho de um rico comerciante, nasceu na Antuérpia mas cedo mudou-se a Leida, onde estudou entre 1597 e 1599. Em 1621 foi nomeado diretor da recém-criada Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, tornando-se uma das pessoas mais influentes na Companhia. Como geógrafo e etnógrafo, escreveu descrições de países como França (1629), Espanha (1629), Bélgica (1630), Turquia (1630) e Portugal (1642). Suas principais obras estão ligadas ao seu trabalho na Companhia das Índias Ocidentais, incluindo a Historia ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636.
 

Historia ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636, de Johannes de Laet (1644)

Fragmento do Livro Segundo, narrando o ano de 1625:

O almirante Pieter Pietersz . Heyn [Pieter Hein], que deixamos o anno- passado no rio de Congo, partio com todos os navios aos 2 dias do mez de Janeiro deste anno, e depois de andar divagando por algum tempo por respeito das correntes e ventos, quando veio ao dia 7 do mesmo mez, amanheceu obra de quatro léguas ao norte do porto de Loango, que esta situado em altura de 4º37’. Sao fáceis as conhecenças deste lugar: há ao sul delle moutas, que de longe semelham pequenos castellos, e quatro leguas ao norte veem-se duas colinas, que chamam Mamas ou Tetas de Mulher. Ao outro dia juntaram-se com elle as chalupas, que anteriormente haviam sido mandadas sahir do rio em procura de refrescos; poucos trouxeram para tanta gente, pelo que ordenou o almirante que os navios andassem espalhados por essas costas até ao dia 18 do corrente mez, com fundamento que topariam navios portuguezes. O Meermin seguira adiante, e surgira em altura de 1º40’, na qual altura a pouco e pouco se juntariam todos os navios para de conserva irem tomar a ilha de Anno Bom, onde se procurariam refrescos. Mas, reconsiderando a sua ordem, o almirante comunicou aos navios por cartas datadas do dia 14 que não convinha avançassem para o norte além dos 2 gr., para o efeito de irem buscar com mais segurança a ilha de Anno Bom. Com quase todos os navios tomou o almirante esta ilha aos 19 dias, e o navio Hollandia a 29, , e nella encontraram muitos refrescos. Esta ilha, segundo observou Willem Jansz., demora em altura de 1º30’; tem muitos porcos, laranjas, limões, e muito boa agua. O governador tratou os nossos com amizade, ainda que com medo, depois que soube que aquelles navios haviam tomado parte na rendição da Bahia. Tendo bem refrescada a sua gente, se determinou o almoirange a fazer a travessia da costa do Brazil, assim para andar ás pressas pelas capitanias do Rio de Janeiro e Espírito Santo, donde lhe constava partirem na primavera alguns navios, com carga de assucar e outros fruetos da terra, como também e principalmente para voltar à Bahia a ver se lá tinham necessidade dos seus serviços. Partio da ilha de Anno Bom a 2 de Fevereiro. Pelas muitas calmarias e ventos variáveis, que o molestaram, andou muito tempo retido pelos 2 gr. De latitude meridional. A 17 foi servido pela primeira vez de um vento fresco do sudeste; era em algura de 0º8’, e no último do mez de 15 ½ gr. A 3 de Março, sendo chegado quase em altura de 19º, assentou de seguir para o Espirito Santo, onde faria um salto. A 9 houve vista da costa do Brazil, da qual estava apartado obra de quatro léguas; tomou sonda em dezoito braças; ao sudoeste terra mui grossa, ao noroeste baixa e assentada; ao meio-dia altura de 19º48’ de lat. Mer. Ao outro dia avistou a Serra do mestre Alvaro, mas, vendo que não podia entrar no rio com dia, fez-se algum tanto ao largo, por não ser visto dos de terra. Ao romper do dia 11 estava apartado légua e meia do rio, e, como os navios estavam algum tanto espalhados, esperou-os até ao meio-dia, quando levantou-se o vento sudoeste; foi navegando de longo da costa até que abrio-se o rio, e endireitou então para elle. Não encontrou o almirante fundo menor de dezenove pés entre as ilhotas, que é onde há mais agua, e ainda se pode aproveitar da maré de aguas vivas, que aqui as ocasiona a lua ao rumo do sudoeste. Sobre a noite foi empecido pela maré vazante, e teve de surgir em seis braças. Ao outro dia juntou o conselho, e nelle assentou-se a ordem, que teriam na facção contra a cidadezinha do Espirito Santo. O mais das forças consistia em marinheiros, pouco feitos a jornadas, e não costumados a guardar ordenança militar; tendo conta com este inconveniente, resolveu-se que os marinheiros fossem divididos em três companhias, e como desembarcassem, assim se ordenassem as fileiras, que caminhassem dous marinheiros ladeados de dous soltados. Ao meio-dia melhorou o almirante para dentro do rio com vento do mar, navegou tanto avanta como a praça, e surgiu um tiro de fronda da praia, ficando os navios dispostos um atraz do outro, de maneira que podessem jogar contra a praça toda a artilheria de uma banda. Mettida a gente nos bateis, largaram estes para a náo almirante, donde seguiram todos os nossos juntos para terra, e aqui se puzeram em ordem de batalha. Mas, como havia pouco espaço para arrumar toda a gente, o almirante avançou um pouco com oito ou dez fileiras. Os habitantes desta praça, informados da chegada dos nossos, se haviam apercebido para resistir, e assestaram um morteiro de bronze contra o caminho, que os nossos tinham de enfiar, e deram-lhe fogo, tanto que nos poderam alcançar. Vendo isso, salta o almirante para o lado, amparando-se atraz de uma casa, e apenas soa o tiro, apresenta-se de novamente, animando a sua gente a dar bravamente sobre o inimigo; mas, pois os officiaes e particularmente os capitães ainda não estavam na frente, nem as fileiras se achavam dispostas, segundo a ordem determinada, estando quase todos os marinheiros adiante, já estes não atendiam ás vozes, e entraram a cuidar de si, receiosos da artilheria. O almirante trabalhou com eles que avançassem, mas embalde, que o medo lhes ia lavrando pelos peitos. Voltaram costas em grande confusão, e recolheram-se aos navios com perda de oito homens, e outros tantos feridos. Na fugida alguns lançaram de si as armas. Não obstante o malogro do accommettimento, ao outro dia o almirante mandou os dous hyates, duas chalupas e dous bateis subirem o rio, a ver si topavam nelle navios ou barcos, e ao mesmo tempo entrou a atirar sem parar com suas peças grossas contra a cidadezinha, cujos moradores lhe responderam bravamente com tiros de moesquetes. A 15 voltaram os hyates com perda de um batel, em que havia vinte e cinco homens e quatro pedreiros. O caso foi este: tendo subido o rio obra de duas léguas e meia, acharam um barco que esbulharam e queimaram; as chalupas e os bateis continuaram a navegar para diante, mas, acalmando o tempo, não poderam aquellas prosseguir; seguiram pois somente os bateis, e ao montar de uma ponta foi um deles assaltado por três canoas, cuja gente o tomou e matou os nossos marinheiros, pelo que retrocedeu o outro batel. O almirante conjecturando que alguns dos seus estivessem presos, mandou recado ao governador que os soltasse, mas este respondeu-lhe que os indígenas haviam morto toda a nossa gente, e espedaçado o batel. A 18 os navios deseeram para um monte que, pela sua forma, chamam Pão de Assucar, e às pressas os limpram um pouco. A 21 as chalupas e pequenos bateis foram mandados procurar as maiores profundidades do rio, e balizal-as; acharam que o maior fundo, que tem o canal, é treze pés. Sahiram os navios, navegando perto da margem meridional e em distancia de obra de um tiro de fronda do parcel, que está pegado com a dita margem septentrional. Este rio corre geralmente leste oeste, encolhendo-se e bojando até ao Pão de Assicar; aqui alarga-se arrumando-se ao lesnordeste, para o lado da cidadezinha, que demora apartada da barra obra de légua e meia. Na margem septentrional, cousa de uma légua da barra, há um castelinho de pouca força.

A 31 era em altura de 20º, e a 5 de abril na de 19º. A 6 avistou uma vela estrangeira, que foi perseguida e tomada por volta de meio dia; vinha do Rio de Janeiro com carga de cento e trinta e cinco caixas de assucar. Sabendo pelos prisioneiros que no Rio de Janeiro havia mais dous navios, que estavam de verga d’alto, um com quatrocentas caixas, e o outro com quatrocentas e cincoenta, o almirante determinou estanciar por aqui mais algum tempo. A 8 houve vista de um daqueles navios, a que os nossos deram caça até sobre a noite, que foi quando elle conseguio se escapar. Juntaram-se outra vez os navios, menos o do almirante e sua chalupa, mas, quando veio ao outro dia, reapareceu a almirantada. Estando todos juntos, menos a chalupa do almirante, a 12 foram em altura de 17º38’, e em distancia da costa, segundo calcularam, cinve e seus léguas; e nada obstante deram em fundo pedregoso; mas na manhã de 14 o leito do mar aprofundou-se rapidamente; altura tomada ao meio dia 17º45’. Ao seguinte dia houve vista outra vez da costa do Brazil em altura de 15 gr. E um terço. Ao outro dia estava em frente de Camamú, e porfiou por entrar na Bahia, mas não lhe terçou bem o vento.

Fragmento do Livro Quarto, narrando o ano de 1627

À seguinte manhã avistaram terra ao longe a qual se fazia mui alta, e segundo calcularam, demorava entre o cabo Frio e a ponta do Rio de Janeiro. Viram logo depois duas velas, que estavam a barlavento da frota, e como era o vento escasso, mandou o almirante que sahissem os bateis a lhes dar caça; mas andando nesta ocupados os bateis e chalupas, refrescou bastante o vento, pelo que tiveram de tornar aos navios. Enviou-se então aos navios contrários o barco com as duas velas ré, e tomou um deles; mas encontraram os nossos somente cento e noventa e uma caixas de assucar das duzentas e noventa e uma que o navio apresado carregava, pois as mais destaram-nas ao mar os de seu bordo. Vinha do Rio de Janeiro, e pelos prisioneiros se informou o almirante do estado desta praça, isto é, que desde que começara a guerra por essas costas, se achava bastante provida de gente, e que no porto havia somente um navio carregado, e outro que chegara ultimamente de Portugal; e pois não pareceu acertado o almirante expor seus navios e sua gente a tamanho perigo, qual o que era de esperar, si entrasse naquele porto, além de que os tempos rigorosos, que encontrára, haviam espalhado os seus navios, estes porém se tornaram a juntar no dia 28. Ao outro dia o almirante mandou a todos os capitães de navio suas ordens por escripto, isto é, que como fossem quatorze ou quinze léguas largo de terra, se apartassem uns dos outros, mas de modo que podessem avistar os navios, e que então pairassem a ver se tornavam a descobrir a outra vela que desapparecera no dia 26, pois pela tripolação da que fora tomada, sabia que sahira do Rio de Janeiro, e carregava seguramente quatrocentas caixas de assucar; mas esta diligencia foi em vão, e subindo a pouco e pouco os navios, no ultimo dia do mez de Abril achou-se a frota perto do cabo Frio, que lhe ficava ao norte quarta a noroeste em distancia de cinco léguas pouco mais ou menos. Ao outro dia houveram vista a ilha de Santa Anna, que distava da frota obra de 9 leguas; ao meio-dia altura de 23º36’. A 5 de Maio altura de 20º53’; achava-se a frota bastante afastada de terra, que à vista se representava também mui grossa. Depois de haver o almirante reunido na capitanea o conselho secreto, a quem comunicou o seu designio, governou a frota ao rumo do oessudoeste, atravessando para a costa para o efeito de entrar no rio do Espirito-Santo, onde buscaria refrescos para a campanha. Ao romper seguinte dia, não estava a fronta longe do dito rio, e poderam os nossos avistar o convento de Nossa Senhora da penha; mas como estavam em calma, e o vento saltava de um para outro ponto do horizonte, com que a fronta mais perdia que cobrava caminho, lançou esta à noite ancoras ao mar, ficando surta em vinte e uma braças. De manhã não estava alongada do rio, mas este ainda não se havia aberto. Passou-se o almirante ao hyate Vos, e com mais hyates pequenos seguio adiante para bem reconhecer o rio, ficando os navios a barlavento, os quaes, quando o almirante fez o sinal, que foi um tiro, seguiram para o dito rio, e nelle entraram, deixando os hyates a estibordo. O navio do almirante, bem como outros, bateu no fundo, mas não houve perigo, porque o rio, que corre fazendo sinuosidades, dentro é morto. Ao outro dia melhoraram os navios um pouco mais para dentro do porto, podendo assim verem os nossos a povoação e o fortim adjacente, e ali surgiram. O Goude-Leeuw e o Vos entraram ainda mais pelo rio acima, como si fossem tentar algum commettimento contra a povoação; mas tal não era a tenção do almirante, que simplesmente queria trazer o inimigo entretido lá em cima, emquanto os nossos desembarcavam em um valle, onde abundavam os limoeiros e larangeiras. Mandou o almirante que colhessem boa porção dos frutos destas arvores. Como era perigoso fazerem aguada na terra firme por causa dos selvagens, que disparavam suas setas de dentro do matto, cavaram os nossos poços nas ilhetas que há neste rio, e com a agua deles encheram seus barris, que estavam vasios. No dia 18 os da povoaçõa largaram contra a frota algumas balças de fogo, feitas de ramos e chamiços, mas não receberam os navios nenhum detrimento dellas, pois os nossos as apagaram facilmente. Este mesmo dia demandou a barra uma caravela, procedente de Lisboa, com carregamente de setenta pipas de vinho e alguns fardos, e cahio em nosso poder. Veio muito a ponto esta tomadia; as pipas de vinho e fazendas foram distribuídas pelos navios. Como a caravela era boa e forte, o almirante a conservou, e metteu gente nella. Foram os hyates providos por cinco mezes de mantimentos tirados dos navios grossos. Tendo o almirante feito tudo o que aqui tencionava fazer, a 29 mandou por em terra todos os seus prisioneiros portuguezes, e sahio do rio com sua frota, e se foi pela terrota do nordeste quarta a leste, servido do vento sudeste.

Querendo entrar neste rio, attendei às seguintes indicações. Do lado meridional da bahia vereis trez ilhetas, que semelham parcéis grandes, não mui altos, e pol-as-heis a bombordo, e navegareis ao longo delas; na mais occidental vereis trez pedras, que pareecm gabiões; passadas estas ilhetas, governareis ao noroeste quarta a oeste, e então dareis fé de um baixo, sobre o qual o mar se alteia muito, e passareis avanta, deixando este baixo a estibordo; tendo avançado algum tanto, logo vereis a abertura do rio, que se prolonga para oeste; vereis também na boca do rio alguns parcéis, dos quaes um ou mais se acham sempre descobertos e à vista acima d’água; estes parcéis estão arredados cousa de meio tiro de mosquete da ponta do sul, navegareis por junto deles, isto é tomando-os pelo norte, e quanto mais perto navegardes, maior fundo encontrareis; passados os parcéis, governareis para a margem meridional, e não tendes de que vos temer, que em qualquer parte o fundo é de boa tença, e não encontrareis profundidade menor de trez braças e meia. Neste rio a lua ao rumo do nordeste e sudoeste ocasiona marés vivas.

No último dia do mez de Março dividio o almirante a sua frota em trez esquadras: a primeira compunha-se dos hyates Oragnie-Boom, Arendi e Sparwer, a qual foi posta a cargo do vice-almirante e enviada ao rio da Prata; a segunda compunha-se do Goude Leeuw, hyate Rave e da caravela tomada diante do Espirito-Santo, e foi mandada cruzar diante do Rio de Janeiro; a terceira, cujo chefe era o mesmo almirante, contava com os navios Geldria, Zutphen, Pinas, Neptunus, e os hyates  Vos, Amsterdam, David e o barco com as duas velas ré. Este se fez na volta do norte e de noite passou pelos Abrolhos por vinte e seis braças d’água. A 9 de Junho, tendo avistado terra ao note da bahia de Todos os Santos, deu volta e caminhou ao sul.


Documento

O livro de Johannes de Laet foi publicado separadamente em 4 volumes da Revista dos Anais da Biblioteca Nacional, cujo download pode ser feito abaixo:

 

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