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23/05/1658: Regimento que levou o Ajudante João Gomes Barroso para ir a Parahiba do Sul
Francisco Barreto, do Conselho de guerra de Sua Magestade, Governador, e Capitão geral do Estado do Brasil.
Porquanto Gaspar da Vide de Alvarenga, morador na povoação da Parahiba do Sul [Paraíba do Sul] me veiu representar que Manuel Pinheiro Caldeira, Antônio da Silva, Hieronimo Dias, Antônio Fernandes, e Francisco de Arruda, moradores na mesma povoação, haviam morto André Martins da Palma, Capitão della, e dos Campos dos Guaiatacases [Campos dos Goitacases], genro do mesmo Gaspar da Vide, e querelando de todos diante do Ouvidor geral do crime deste Estado haviam todos saido pronunciados a prisão e a seqüestro de seus bens pedindo-me os mandasse prender, e proceder a seqüestro. E convém ao serviço de Sua Magestade, e á conservação de seus vassallos dar-selhes o castigo, que merece a autoridade (atrocidade) do caso, e o excesso de se atreverem a seu Capitão com a demonstração, que pede o exemplo de semelhante delicio. Hei por bem e ordeno ao Ajudante João Gomes Barroso (pela muita satisfação, que tenho de sua pessoa, e a confiança que faço de seu procedimento) que em tudo guarde o Regimento seguinte.
1 — Logo que receber esta ordem se embarque com vinte e cinco soldados que se tem nomeado levando em sua companhia o mesmo quereloso Gaspar da Vide no barco de Antônio Miguens, que para esse effeito está prevenido, e se vá em direitura ao Rio da Parahiba [Rio Paraíba], e passando por elle sem poder ser visto de terra, se ponha a seu barlavento, e vindo costeando a terra se metta no mesmo Rio, como que vem das Capitanias do Sul, e entrando pela Barra (tanto da terra se possa enxergar a gente) a metterá toda, e o mesmo Gaspar da Vide, debaixo da coberta, ficando só em cima os Marinheiros, o Mestre, e o mesmo Ajudante, sem insígnia, fingindo ser passageiro e que o barco vem do Rio de Janeiro buscar alli frete, e fazer courama: tendo particular tento nos Marinheiros (a quem encarregará o silencio com razões, que pede sua importancia) para que não revele a pessoa alguma, que chegar ao barco, o a que vae.
2 — E porque para a dita prisão se fazer com mais cautela, e segurança é conveniente levar o dito Gaspar da Vide comsigo um filho seu chamado Antônio Dias, indo o barco passando pela barra donde tem sua casa elle vier ao mesmo barco; o Mestre Antônio Miguens, que o conhece sem lhe dar a entender, que seu pae debaixo da coberta lhe dirá, que mande a canoa para terra, e com algum pretexto, que melhor pareça ao Ajudante, o deixe ficar no barco, e o leve comsigo para delle se informar de todas as noticias necessárias, e os ajudar a guiar, assim no caminho, como na povoação; mas no caso que não venha seu filho, tomará quaesquer outras pessoas de que se informará e as levará comsigo fiando-se de suas informações pela confiança, que dellas fizer o mesmo Gaspar da Vide.
3 —Com esta dissimulação irá pelo Rio acima até donde poder navegar, e tanto, que for de noite desembarcará com toda a Infantaria, deixando encarregado a Antônio Miguens, que não deixe sair marinheiro algum a terra, emquanto se não fizer a prisão; por não romper o segredo, simulando o mesmo Antônio Miguens haver mandado á povoação por terra a saber do frete, e negocio que alli, se podia fazer, para assim se disfarçar melhor o intento, e se fazer menos suspeitosa sua estada no mesmo Rio, e logo marchará (levando por guia o mesmo Gaspar da Vide, e seu filho, e mais pessoas que tiver represado para as informações) a toda a pressa para a povoaçao, que dista em que hão de desembarcar seis léguas, prendendo a qualquer pessoa que vá, ou venha para não poderem ser sentidos.
4–E porque será difficultoso marchar em uma noite todas as ditas seis léguas, caminhará naquella tudo quanto poder até o romper a Alva, e alli se embarcarão na parte que lhe parecer mais resguardada em que passem o dia, advertindo, que se não accenda fogo; porque não sejam vistos. E dalli marcharão na segunda noite para a povoaçao procurando ter-se avizinhado a ella, na antecedente marcha, quanto poder ser, para que em anoitecendo se vao chegando, e possam dar no quarto da madorna ao mesmo tempo nas quatro casas, em que pousam os culpados; para a prisão dos quaes usará o mesmo Ajudante de toda a industria que mais prompta e segura lhe offerecer o tempo, para que por todas as vias se consiga o effeitoi a que o envio. E presos os metterá em grilhões, e algemas, e os trará com todo o cuidado até amanhecer. E se os ditos culpados, ou algum delles se puzer em defensa osarcabuzará, e a qualquer outra, que os ajudar a fazer resistência á prisão.
5 — Na prisão procurará saber por informação secreta (que fará com toda a cautela, e bom modo possível) se ha mais culpados, que os nomeados neste Regimento, e havendo os prenderá também, e trará na mesma, sem embargo de não irem expressamente declarados neste Regimento. E bem assim procurará saber quaes foram as pessoas, que elegeram o Capitão, que fizeram em logar de André Martins da Palma, e que lhe metteram a insígnia na mão, e só trará presos (do mesmo modo) os motores da eleição, e os que principalmente lhe deram a insígnia.
6 — Saberá se ha alli Escrivão, ou Official de justiça, e com elle inventariará todos os bens que tiverem os mesmos culpados, moveis, e de raiz, especulando a quantia e qualidade delles porque os não soneguem, e os entregará ás pessoas, que naquella povoação forem mais abonadas, de que se fará termo pelo Escrivão, ou qualquer outro Official de justiça, que formarão assim as pessoas como o mesmo Ajudante; o qual declarará na entrega, que o faz em virtude do mandado, que leva, e ordem, que por esta lhe dou para o tal seqüestro, e que as ditas pessoas ficam obrigadas a dar conta dos ditos bens ao Ministro, que for devassar do dito caso, ou outra qualquer pessoa, que para as cobrar levar ordem deste Governo, ou da justiça.
7 —Mas porque poderá acontecer, que da Capitania do Rio de Janeiro se tenha mandado devassar do caso, e fazer a mesma prisão, e o Ajudante achar presos os culpados em poder de qualquer Ministro, Official de guerra, ou de justiça, ou de outra alguma pessoa, que com mandado do Ouvidor geral do Sul, ou ordem do Governador do Rio de Janeiro, os tenha a seu cargo; para os levar para aquella jurisdição: visto haver-se tomado conhecimento do caso nesta superior: o Ajudante lhes dará a ordem que com esta leva, para que elles lhe entreguem os presos, e os papeis, que contra elles se tiverem processados, e lhes mostrará este Capitulo, e em virtude delle cobre os presos, e as devassas, e mais papeis, que se tenham feito, para com elles me trazer os mesmos culpados a esta praça. E succedendo (o que não espero) que lhe não queiram entregar nem os presos, nem as devassas, ou papeis lhes requererá o façam, protestando-os de minha parte, que lh’os ha de tirar de seu poder por violência. E se comtudo resistirem m’os trará presos os’mesmos Ministros, ou Officiaes de guerra, ou de Justiça, que os não quiserem entregar. E se os mesmos culpados se puzerem em resistência (nesse caso, ou em outro algum) os acalmará, e ainda, que o Ministro ou Officiaes do Rio de Janeiro lh’o impidam trará os culpados, e lh’os tirará de seu poder, e para se lhe entregarem as devassas, e papeis dará aos Ministros e justiças, que os tiverem a ordem fechada, para isso leva.
8 —Se os culpados estiverem fora da povoação em outra qualquer parte daquelle districto da Parahiba, a ella irá fazer a mesma prisão, e feita na forma sobredita, se tornará a embarcar no mesmo barco, com os referidos culpados, e sempre mettidos em ferros a muito bom recado, e se virá á Villa da Victoria da Capitania do Espírito Santo. E em caso, que depois de fazer todas as diligencias pelos culpados os não poder achar, fará o mesmo, e se virá para a dita Capitania.
9 — Havendo remettido da Parahiba as cartas, que com esta se lhe hão de dar, tanto que alli chegar ao Governador do Rio de Janeiro, por pessoa que lhe pareça segura das da mesma povoação; dará ao Capitão-mor da Capitania do Espirito Santo, as que também para elle leva. E se lhe parecer, que os presos estão mais seguros em terra, emquanto se mette no barco a carga, que daquelle porto ha de trazer, os desembarcará, e metterá nos mesmos ferros na Cadeia e lhe mandará fazer sentinel-Ias; porque ainda que os entregue ao Carcereiro, e os Soldados da guarda em que o dito Ajudante estara obrigado a me dar conta delles.
10 —Carregado o barco (que applicará seja com toda a brevidade) se recolherá com os presos e Infantaria que leva a este porto. Se acaso topar com alguma embarcação do inimigo o defenderá não se podendo desviar della, com valor, que espero. E se indo para a Parahiba lhe der algum temporal do Sul, que o obrigue a buscar porto que se recolha, por se não atrever o Piloto, que leva do Sul a pairar na volta do mar, de nenhuma maneira tomará porto que fique ao Sul, a Porto Seguro, e quando chegar a elle dirá (para pretexto da Infantaria que leva) que vae para segurança do barco; por ir buscar os assucares de Sua Magestade, que ha de trazer da Capitania do Espirito Santo para o que mostrará a ordem que para isso leva do Provedor-mor da Fazenda o Mestre delle Antonio Miguens: tendo particular advertência nos Marinheiros que de nenhum modo saltem a terra, nem no barco descubram o a que vae.
11 — Mas se o temporal se não poder pôr a barlavento, e tomar algum porto a sotavento, entre a Parahiba, e Espirito Santo, lançará a gente em terra, e marchará por terra a fazer a mesma diligencia na melhor forma, que o tempo lhe der logar, procurando chegar sempre sem ser sentido.
12 —Se a qualquer parte a que chegar lhe for necessário qualquer favor, ou ajuda o pedirá em meu nome. E por esta ordeno a todos os Capitães-mores, Capitães de Infantaria, Officiaes da Camara, e a quaesquer outros Officiaes de guerra, Fazenda, e Justiça, e mais pessoas que for mostrada o ajudem no que de algum modo lhe pedir ou representar que cumpram muito pontualmente, de que me dará conta para o ter entendido. Antônio de Souza de Azevedo o fez nesta Cidade do Salvador Bahia de todos os Santos em os 23 dias do mez de Maio anno de 1658. Bernardo Vieira Ravasco o fiz escrever.
Francisco Barreto.