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15/02/1566: Carta do padre antônio gonçalves, da casa de S. Pedro do Porto Seguro do Brasil, pera o padre Diogo Mirão, provincial de Portugal, escripta a 15 de fevereiro de 1566
1Antônio Gonçalves veiu em 60, com Luis Rodrigues ambos irmãos. Em 63, já sacerdote, foi mandado a Porto Seguro, com o Padre Francisco Viegas, de onde escreve, em’ 66, por commissão do reitor, o Padre Braz Lourenço esta carta. Ahi aponta as causas da decadência da Capitania, pelas incursões do gentio Aymoré. Egreja de S. Pedro. — Braz Lourenço, o autor e Domingos Borges.
Mui Reverendo em Christo Padre.
A graça e amor do Espirito Santo seja sempre em continuo favor e ajuda de V. R. Amen.
Pola obediência me mandar que escrevesse a V. R. e aos meus carissimos Padres e Irmãos desse Reino o que o Senhor é servido obrar pólos Padres e Irmãos desta minima Companhia de Jesus, que residem em esta capitania de Porto Seguro, onde haverá perto de tres annos que residem, o farei; e não por me achar idôneo pera isso pola falta de palavras e de eloqüência que pera as taes cousas se requer, polo que peço a V. R. receba a vontade e com sua caridade suppra meu fraco saber.
Primeiramente, os que residem em esta casa de S. Pedro são tres, scilicet: o padre Braz Lourenço, reitor, e eu e um Irmão por nome Domingos Borges, todos ao presente com mediocre disposição corporal, gloria ao Senhor, de cuja mão todo o bem procede. O em que se occupam é o padre Braz Lourenço em pregar, o que faz cada domingo e santos, si a má disposição o não impede, pregando um domingo em a egreja da villa, e outro em nossa egreja: também vai a outra villa, que está daqui um bom pedaço de caminho, muitas vezes a pregar, o que faz com muita consolação e satisfação da gente, por ter pera isso especial talento de Nosso Senhor pera mover aos ouvintes, e não me parece que lhe ouvi pregação onde não houvesse muitas lagrimas nos ouvintes, e com pregar commumente uma hora dizem que quando acaba que então lhes parece que começa. E também se oecupa nas confissões, e em ensinar a doutrina todos os dias aos meninos, filhos e filhas dos Brancos e Mamalucos, a modo de dialogo, o qual Vossa Reverendissima já lá veria, pera a qual obra elle tem especial graça e dom de Nosso Senhor, do que resulta grande louvor a Nosso Senhor, porque não ha pessoa que veja meninos que quasi não sabem fadar, saber as cousas de nossa Santa Fé tão bem que não chorem muitas lagrimas de alegria, dando muitas graças ao Senhor pólos deixar chegar a tempo em que vêm os seus filhos saber cousas que nunca seus pães e avós souberam. Aos domingos vem quasi toda a gente assi homens, como mulheres, aonde lhes declara o Padre os mandamentos e outras muitas cousas a suas almas necessárias, da qual doutrina se sente grandissimo proveito, porque havia muitas pessoas que peccavam em muitas cousas e graves as quaes não tinham por peceados, e outras que de virtudes cuidavam que eram peceados e nem por isso o deixavam de fazer; mas agora, declarando-lhes o Padre o que é peccado ou não, muitas pessoas fazem confissões geraes e tiram muitas abusões que nestas cousas tinham.
Eu tenho as cousas de fora, como é pedir esmolas e outras cousas que pera a casa são necessárias, também visitando a escravaria que pola terra ha, ministrando-lhes os sacramentos e apparelhando-os pera o bautismo e bautisando os que o não são, e confessando os que já são christãos e ajudando-os a morrer; e também me oecupo em nossa egreja em ouvir confissões, assi dos Brancos como da escravaria da terra, ensinando também a doutrina na lingua, e, quando o Padre vai fora, na nossa aos Brancos. Vou também muitas vezes aos engenhos que estão aqui de redor, a dizer missa e a ensinar a escravaria dedes, casando a muitos, assi em lei de graça como de natura.
O irmão Domingos Borges se oecupa na escola com os filhos dos Brancos, ensinando-os a ler e a escrever, os quaes por haverem pouco que começaram, lêm e escrevem já mediocremente.
Também se oecupa em pregar na lingua os domingos e santos á escravaria e ensinando-lhes a doutrina todos os dias, e em outros officios de casa, juntamente estudando latim e sendo interprete nas confissões.
Com a gente de fora se faz muito fruito, gloria ao Senhor.
Continuam muito a miúdo os santos sacramentos da confissão e communhão, e quasi todos os domingos e santos temos em nossa egreja muitas confissões, assi de Brancos como de gente da terra, e muito mais seriam si houvesse mais obreiros, que ajudassem neste ministério. Fazem-se muitas confissões geraes, e de muitos annos, e algumas de quem havia mais de 40 annos que se não confessavam, ou si se confessaram prestava-lhes pouco ou nada; outros se apartam da má vida e estado em que até agora estiveram, vivendo muito tempo amancebados, cousa que nesta terra é tão commum, assi a solteiros como casados, que quasi se não extranha, por a terra ser em si apparelhada pera os taes peceados, e o Gentio da terra andar nú e ter pouca resistência pera os que as commettem, mas antes, em logar de lhes resistirem, os vão buscar a suas casas. Por aqui verão o trabalho que terão em se apartar dos taes peceados, tendo tanta occasião de peccar, e quanta ajuda têm das orações de V. R. e dos meus carissimos Padres e Irmãos, pera que por seus rogos o Senhor haja misericórdia com elles e íhes dê graça pera que se apartem dos taes peceados, reconhecendo a Deus por seu Creador e Senhor. Também se fazem muitas amisades entre pessoas que por muito tempo viveram em ódios e malquerenças e se atalham a muitos outros males, de que poderia sueceder muita perda e damno ás almas das taes pessoas, como é atalhar a muitas demandas e a pessoas que andavam pera fazer mal a outras, como foi uma pessoa que andava pera matar a outra, suspeitando que lhe fazia um certo aggravo que elle sentia muito. Querendo Nosso Senhor atalhar ao tal mal, ordenou com que o soubessem de casa, e tanto que se soube, se trabalhou com aquella pessoa apartal-a daquelle mau propósito que trazia. E também outra pessoa, havendo-lhe dito muitas palavras injuriosas, o qual se determinava vingar-se por si por se sentir afrontado e injuriado, ao qual, fadando-lhe o Padre, acabou com elle não tão somente perdoar-lhe, mas ainda à parte injuriada lhe ir pedir perdão de algumas palavras que lhe dissera e ódio que lhe tivera.
E outra pessoa também, fugindo-lhe sua mulher e estando pera querelar della por ter pera si que lhe fazia adultério, ao qual fallando-lhe de casa quiz o Senhor acabarem com elle tornal-a a recolher e acabar-se tudo em paz.
O jurar por Deus e por seus santos, que nesta terra era moeda corrente e a menos jura que juravam era pola Trindade, nem lhe ficando tripas, nem bofes de Deus por que não jurassem, e isto como quem dizia o Pater noster, não tendo mais conta com Deus e seus Santos que nada, e era isto tão commum que meninos, que quasi não sabiam fadar, juravam pela hóstia consagrada, aprendendo-o de seus pães, o que vendo o Padre e doendo-se do grande damno e perdição que disto em suas almas se seguia, lhes rogou e pediu um dia, acabada a pregação, que se ajuntassem todos em a nossa egreja ou onde quer que elles quizessem, porquê lhes queria ordenar uma cousa cie muito serviço de Deus e proveito de suas almas, a qual era uma confraria que se chamasse da Piedade, pera evitar os juramentos que elles tanto traziam na bocca, trazendo-lhes á memória quão grave cousa era jurar por Deus e seus Santos e quão extranhado lhes havia de ser diante do mesmo Deus e seus Anjos, e como o jurar e blasphemar e arrenegar é oficio dos que já estão no inferno, e a pouca conta que elles tinham, assi homens como mulheres, com isto, e para que se emendassem disto ordenassem esta confraria, porque isto mesmo fizera elle já na capitania do Espírito Santo, com o que se evitaram muitos juramentos, e que assi confiava em o Senhor que assi seria cá; o que elles ao domingo á tarde fizeram de mui boamente, ajuntando-se quasi todos em nossa egreja apparelhadôs pera o que o Padre ordenasse, e juntos ordenaram dous mordomos pera a dita confraria. E a confraria era desta maneira: que todo o que jurasse por Deus ou pelos Evangelhos, si elle mesmo se fosse accusar pagasse dous réis2Os juramentos em vão, e descompostos, eram “moeda corrente”, “nem lhe ficando tripas nem bofes de Deus porque não jurasse…” A traça do Padre Braz Lourenço, da multa de dois réis quando fosse Deus ou os Evangelhos e um real pelos santos e outras criaturas de Deus devia ser proveitosa. ” E eom isto quiz o Senhor que se emendaram muitos de jurar.”: mas Si se não accusasse e outro o accusasse, pagasse dobrado; os que jurassem outras juras, assim como pelos Santos ou por outras creaturas de Deus, pagassem um real.
E com isto quiz o Senhor que se emendaram muito de jurar, gloria ao Senhor, ora fosse pelo medo de pagar a pena que lhe tinham posta, o que pera esta gente é muito caro de fazer por serem muito pobres; mas o que eu tenho por mais certo seria inspirar-lhe o Espirito Santo em seus corações deverem-se de apartar de tão ruins costumes, e já agora pola bondade de Nosso Senhor ha muito poucos que jurem; porque vendo um jurar ao outro alembra-lh’o dizendo que se vá accusar e que pague. Já, si vêem Padre da Companhia, de nem-uma maneira ousam de jurar, e si algum Padre ouve jurar a algum, logo o faz pôr de giolhos e resar um Pater noster e Ave Maria, onde quer que estêm, o que elles logo fazem com muita obediência que têm aos Padres. E era tanto o fervor que nisto tinham no principio que o Vigairo desta villa, que foi um dos Mordomos, o qual é justamente Vigairo da vara, posto pelo Bispo, queria que se puzesse excommunhão aos que jurassem, porque com este medo se emendariam, e por mais rezões que lhe ao Padre dava, que não parecia bem pôr-lhe aquella pena tão grave, não havia remédio pera lh’o despersuadir.
Este anno passado veiu aqui ter o Padre Provincial a visitar a costa, com a presença do qual nos alegrámos e consolámos muito em o Senhor, e trouxe o padre Braz Lourenço, que agora está aqui por Reitor, em logar do padre Viegas, que daqui levou, e todo o tempo que aqui esteve, que seriam perto de tres mezes, se occupou em confessar e pregar e fazer a doutrina assi á gente branca como á escravaria e em fazer outras muitas obras de misericórdia, como fazer casamentos e amizades, &, do qual ficou toda essa gente mui consolada e edificada, o qual, ainda que aqui passava mal por esta terra ser muito pobre e não ter possibilidade pera poder sustentar a dous, que então aqui estávamos, quanto menos poderia sustentar a elle e aos que com elle vieram? Pola qual causa muitas vezes não havia que gentar nem que cear, e com tudo isto dizia que nunca em outra terra se achara melhor que nesta, e que si não tivera o carrego que tinha, que aqui se houvera de ficar. A causa dos Padres que nesta capitania estão passarem tanta fome é a muita guerra que a gente della tem com um certo gentio que chamam Gaymores[notaOs “Aymorés”, causa da pobreza de Porto Seguro. Vd. nota 92. Estes “Gaymores”, de Antônio Gonçalves, são os mesmos “Gaimares” de Nobrega (op. cit., 70), “Guamures”, de Anchieta, (op. cit. p . 40) e “Guaimurés”, de Cardim (op. cit., p . 295).[/nota], os quaes lhe dão muita guerra, e por esta causa não podem sahir aos matos a fazer suas roças, nem a caçar, que era o de que se elles antigamente sustentavam; porque na terra não ha gado de que se elles sustentem, sinão fôr alguns porcos, ainda que poucos. E com estes trabalhos que com este Gentio tem, esteve já esta capitania pera se despovoar.
Este Gentio não se lhe sabe morada certa; dizem que sua habitação é pólos matos, nem se mantém d’outra cousa sinão de caça. Dormem no chão e assentados. Sua guerra toda é de ciladas e á traição, e portanto os Brancos não acham remédio pera com elles, nem ousam a sahir aos matos sinão muitos juntos e armados e levando espias, que lhe vão descobrindo a terra. E por esta causa passam os Padres muito trabalho, porque, como os moradores o não têm, menos o poderão os Padres ter.
O jubileu se celebrou o anno passado aqui tres vezes. A primeira em uma ermida da casa, que se chama Nossa Senhora da Ajuda, em que estiveram os Padres antigamente e por estar agora longe da villa não residem nella: é casa de muita devoção e romagem, pólos muitos milagres que tem feito e faz, e eu são testemunha de vista de alguns, como é sarar pessoas que eram quebradas e de outras muitas diversas enfermidades quasi incuráveis, encommendando-se á Nossa Senhora e lavando-se em uma fonte que miraculosamente nasceu ao pé della. E outras pessoas, mandando buscar água e bebendo-a, por sua intercessão o Senhor é servido dar-lhe saúde, e dos milagres que Nossa Senhora tem feito ha ahi um instrumento publico, ainda que não de todos, porque cada dia se fazem. Não duvido que, si fora nesse Reino, fora de grande concurso de gente; ao qual jubileu foi muita gente, e muito mais fora, si não o estorvara o braço do mar que se mette no meio, que lhes estorva muitas vezes a romaria por causa da passagem.
Outro jubileu se celebrou em esta nossa casa dia de S. Pedro, por ser o orago da mesma casa, na qual houve muitas confissões e por falta de confessores não houve mais das que pudera haver e não sermos sinão dous: ainda que começamos a confessar alguns dias antes, não abastou pera poder satisfazer a vontade de todos. Esteve a egreja muito bem concertada, conforme a pobresa da terra e nós estarmos muito pobres de ornamentos, e tanto que com frontaes de papel nos servimos e isto ainda por festa; houve muitas invenções de fogo a vespora á noite, como são foguetes3Começam, ao menos na chroniea, os foguetes e fogos de artificio, das festas nacionaes. e rodas de fogo, e t c , e t c , que ajudaram a celebrar a festa; ao dia, houve missa cantada, pregação e muita devação e lagrimas na gente, reconhecendo ao Senhor a mercê tão grande, que lhes fez com lhes dar este jubileu para salvação de suas almas.
O officio da Somana Santa se fez nesta nossa casa com grande devação dos que a elle se acharam; foram cantados, os quaes o padre Braz Lourenço fez muito bem, tomando pera isso os moços da escola, que ensaiou alguns dias antes, e outras pessoas devotas que se offereceram pera isso, e esteve a egreja muito bem armada, principalmente o sepulchro, porque se lhe fez uma casa de cantaria toda, com dous arcos que lhe davam muito lustro; o Santissimo Sacramento estava em uma charola, que pera isso estava muito ricamente ornada, com todo o ouro que na terra se poude achar; tinha uns degraus muito altos e sumptuosos, que lhe davam muito lustro, cobertos de seda de cores que pera isso nos emprestaram, e ao pé delles duas figuras, a uma dellas de Nicodemus, e a outra de Joseph ab Arimathéa. Um delles tinha a coroa nas mãos e o outro os cravos, os quaes daVam muita devação, e houve ali pessoas que cuidavam que eram homens vivos que estavam em penitencia, dizendo que grande penitencia era andar toda a noite armado, mas que muito maior tinham a daquelles homens que ali estavam todo o dia e noite sem fazerem algum movimento de si! Pregou-se a Paixão com muita devação e sentimento e lagrimas dos ouvintes, e certifico-lhes que nunca vi tantas lagrimas em Paixão como vi nesta, porque des o principio até o cabo foi uma continua grita, e não havia quem pudesse ouvir o que o Padre dizia e isto assi em homens como em mulheres, e sahiram algumas cinco ou seis pessoas quasi mortas4O Padre Braz Lourenço teria o mesmo dom do_ Padre Francisco Pires de impressionar o seu auditório com lhe pregar a Paixão: “sahiram cinco ou seis pessoas quasi mortas”, “não era a devoção fingida, pólos signaes das bofetadas que nos rostos se viam”. Vd. nota 171., as quaes por muito espaço não tornaram em si, e outras que com medo do mesmo não ousaram de esperar toda a pregação, por mais que o Padre abreviava com ver estas cousas. E ao outro dia bem se demonstrava que não era a devação fingida polos signaes das bofetadas que nos rostos se viam, e houve pessoas que diziam desejarem de se irem metter em parte onde mais não vissem gente e fazerem toda sua vida penitencia de seus peceados.
A sexta-feira seguinte se fez o officio do desencerramento do Senhor, com o mesmo sentimento e devação, levando dous Padres, vestidos com suas alvas e descalsos, ao Santíssimo Sacramento em uma tumba toda coberta de preto, que pera isso estava feita, indo diante as tres Marias cantando: Heú, heú, Salvator noster, cobertas com seus mantos e coroas em as cabeças, o que tudo causava grande devação e admiração a esta gente, por não haverem visto outra tal nesta terra depois de ser povoada, dizendo que no Reino se poderia fazer tão bem, e melhor não.
O dia da Santa Resurreição de Christo se celebrou com grande regosijo e alegria, como o tal dia requeria; fizeram sua procissão solemnemente. Pregou o Padre depois de acabada, aonde também houve muitas lagrimas de alegria e prazer de verem a seu Senhor resuscitado e já da morte triumphante.
Também este dia de Natal passado se celebrou com a mesma solemnidade acostumada. Ordenou o Padre que se fizesse os votos á missa do gado, o que causou grande devação e lagrimas á gente, e era tanto que parecia um dia de Endoenças. Houve pessoas que, sendo casadas, com aquelle fervor queriam fazer votos, si não foram as partes que lh’o não quizeram consentir.
Ao dia de Jesus seguinte, celebramos o jubileu onde se confessou quasi toda a gente desta terra. Esteve a egreja muito bem armada e concertada assi de pannos como de ramos muito frescos, e houve também muitas invenções de fogo que um devoto fez pera este dia; houve touros, folia e outros jogos, que outras pessoas devotas ordenaram para o mesmo fim.
Com a escravaria da terra se ha feito e faz muito fruito; açodem bem á doutrina que se lhes cada dia faz; principalmente aos domingos e santos ha mais concurso delles, porquanto pólos outros dias, andando occupados com seus senhores nas roças, não têm tanto vagar pera isso. Confessam-se muito a miúdo, vindo muitos pedir a confissão, mostrando muito desejo de se emendar de sua vida passada e de seus peceados, affeiçoando-se ás cousas que lhes ensinam de nossa Santa Fé; e quando estão doentes, têm cuidado de mandar chamar o Padre pera que os confesse.
Poucos dias antes da feitura desta, mandou aqui chamar uma escrava que a fossem confessar logo e que via um homem muito negro que a queria levar, e a senhora, cuidando que era imaginação ou continua, não dava muito por isso, a qual perseverando em sua petição fez com a senhora que mandasse chamar o Padre. E tanto que se confessou ficou logo quieta.
Um índio forro veio aqui pedir o bautismo eom grande fervor e devação quanto ao que de fora demonstrava, ao qual respondeu o Padre que não podia ser por elle estar apartado dos Brancos e não haver ahi egreja antre os seus onde depois de bautisado o pudesse ensinar (porque* até agora não tratamos com o Gentio forro sinão com a escravaria, por estarmos poucos e não se poder acudir a tudo). Ao que elle respondeu que não fosse essa a causa por onde o deixassem de bautisar, porque se viria a morar perto dos Brancos, onde pudesse ouvir a doutrina; e dando-lhe outra resão por onde se não podia fazer o que elle pedia, pera provarem e verem sua vontade si era tal como demonstrava, dizendo-lhe que os tempos passados fizeram aqui uns poucos de christãos, os quaes teriam o mesmo fervor que elle tinha, mas que dahi poucos dias se tornaram á sua vida passada a viver gentilicamente, a comer carne humana, e que assi faria elle da mesma maneira, ao que elle respondia a tudo com grande fervor que não seria assi, mas que elle promettia de perseverar no que ensinassem, mostrando grande fervor de saber as cousas de nossa Santa Fé, dizendo que não tão somente de agora mas que já havia muito tempo que o desejava, porque elle conhecia que aquella era a cousa verdadeira que lhe havia de salvar sua alma. E vendo-se sua boa vontade e desejos, lhe declarou o Irmão as cousas da Fé. (ao que ede demonstrava ter grande affeição), dizendo-lhe que viesse aprender e soubesse as cousas da Fé, então pôde ser que o fariam christão.
Isto é, mui Reverendo Padre, o que ao presente se me offereceu escrever a V. Rvm. ; por agora não mais, sinão pedir a V. Rvm. e a meus carissimos Padres e Irmãos por amor do Senhor tenham de mi memória em seus santos sacrifícios e orações.
Desta casa de S. Pedro do Porto Seguro, hoje 15 de Fevereiro anno de 1566 annos.
Por commissão do padre Braz Lourenço.
Indigno filho de V. Revm.