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24/08/15511Data estabelecida por Serafim Leite: Outra enviada do porto do Espírito Santo [pelo padre Afonso Brás2Afonso Brás (São Paio de Arcos, 1524 – Rio de Janeiro, 1610) chegou ao Brasil em 1550, como superior da segunda expedição jesuítica. Esteve nas capitanias de Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, São Vicente e Rio de Janeiro. Participou como mestre de obras, carpinteiro e pedreiro da construção da casa e do colégio de São Paulo (Piratininga). Fundou o colégio da capitania do Espírito Santo, em 1551. Dele, conservou-se apenas uma carta – esta que aqui se publica.] .
Aos padres e irmãos da Companhia de Jesus em Coimbra.
Depois que vos escrevi no ano passado, estando na capitania de Ilhéus, partimos eu e dois irmãos para Porto Seguro, que está a trinta léguas dos Ilhéus. Estive lá o mais do tempo confessando e ensinando a doutrina. Fez-se, pela graça do Senhor, muito fruto nos cristãos. Confessavam-se já muitas vezes e gostavam da palavra divina e da doutrina cristã, e assim concorriam com grande fervor a ela; a qual todos tinham já esquecido, e lhes era coisa mui nova. Estive lá pouco tempo, mais ou menos quatro meses, e era tanta a devoção e a afeição que todos me haviam tomado que escreveram ao pe. Nóbrega e ao governador para que não consentissem que eu de ali me fosse a outra parte. Mas enquanto este recado ainda estava lá 3Na Bahia, sucedeu haver embarcação para o Espírito Santo, na qual eu me fui sem querer mais esperar, tal como me tinham mandado4Afonso Brás chegou ao Espírito Santo em 1551, em companhia do irmão Simão Gonçalves.
Partimos dali aos vinte e três de março, ficando a gente mui desolada e muitos com grandes lágrimas chorando. De Porto Seguro ao Espírito Santo há setenta léguas. Quando chegamos receberam-nos os moradores com grande prazer e alegria, e desde que cheguei até a Páscoa não me ocupei nem entendi em outra coisa senão em confessar e fazer outras obras pias. Passada a Páscoa, determinamos e ordenamos fazer uma pobre casa, para nos recolher nela; ela está já coberta de palha e sem paredes. Trabalharei para que se edifique aqui uma ermida junto dela5Essa é a primeira notícia da fundação do Colégio de Santiago, na vila de Vitória, nesse mesmo ano de 1551., em um sítio muito bom, na qual possamos dizer missa, confessar, fazer a doutrina e outras coisas semelhantes6Aqui o padre registra os primórdios do colégio e da igreja jesuíta do Espírito Santo..
Grande é o fruto que pela misericórdia do Senhor se fez e se faz entre os cristãos, que Ele seja por tudo louvado. Porque uns se apartam de suas mancebas, e outros as deixam e se casam, e determinam de se emendar e ser bons daí em diante, queira o Senhor conservá-los em seus propósitos. Os jogadores, nestas três capitanias7Na capitania em que está quando escreve a carta – ou seja, no Espírito Santo – e nas duas capitanias em que havia estado antes – Ilhéus e Porto Seguro., permaneciam muito em seus vícios e maus costumes, e eram os piores de arrancar de seus pecados.Já agora, por graça do Senhor, estão mui emendados, e tenho tomado muitos baralhos e dados. Do que murmuram e falam os que ainda estão obstinados, mas eu, vendo o proveito que daí se sucede, não descanso de persegui-los.
Todo dia fazemos a doutrina aos escravos desta vila, que são muitos. Não ouso aqui batizar esses gentios tão facilmente, ainda que o peçam muitas vezes, porque temo sua inconstância e pouca firmeza, senão quando estão à beira da morte. Têm aqui muito pouca confiança neles, porque são mui mudáveis e parece aos homens impossível que venham a ser bons cristãos, porque já aconteceu de os cristãos batizarem alguns deles que tornaram a fugir para os gentios e andam depois ainda piores do que antes, e tornam-se a meter em seus vícios e a comer carne humana. O mesmo fazem alguns que já estiveram em Portugal. Nosso Senhor queira por Sua infinita misericórdia ter piedade de tantas almas perdidas e tão apartadas e esquecidas de seu Criador. São tantos e é a terra tão grande, e vão em tanto crescimento, que se não estivessem em contínua guerra e se não se comessem uns aos outros, não poderiam aqui caber. Tenham, irmãos meus, compaixão desta gente tão bruta e pedi ao Senhor ne despiciat opus manuum suarum8“… que não desdenhe a obra de suas mãos” Os. 137, 8..
É esta terra, onde ao presente estou, a melhor e mais fértil de todo o Brasil. Há nela muita caça de monte, muitos porcos monteses e é mui abastecida de pescado. Que não os esfriem, caríssimos meus, serem os gentios como disse tão mudáveis e inconstantes, para que por isso venhais a perder os fervores e grandes desejos de vir para cá trabalhar por amor de Deus e sanlvação destas almas. Porque omnia deo possibilia sunt, qui poterit de lapidibus istis suscitare filios Abrahae9Porque “tudo é possível para Deus, que poderia destas pedras tirar os filhos de Abraão”. Mat. 3,9; Luc. 3,8.. Espero que vossa caridade será tão grande que vos mudará, e vossa constância tão inteira que vos fará preservar na fé e serviço do Senhor. Vejais como eram tão ruins os da Bahia; os quais muitos dos que os padres batizaram dão muito bons cristãos e permanecem em nossa santa fé, trabalhando por viver em bons costumes. Nosso Senhor nos faça perseverar em Seu santo serviço, para que nesta vida Sua santa vontade em tudo cumpramos.
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